• Família: renúncia que é ganho

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  • 01/06/2019 12:00

    Quando adolescente, eu tinha uma aspiração. Família gigantesca. Cheguei a desenhar charge divertida. Eu numa cabeceira, com uma esposa por vir, e à volta de quilométrica mesa, a pletora de filhos em algazarra. Ao fundo, suave, a canção de Toquinho e Vinícius “O filho que eu quero ter”. Época em que gostava de ver na TV os Waltons se dando “boa-noite” de forma infindável. E tinha planos de dar a filhos futuros os nomes Israel e Rebeca, personagens da família de Daniel Boone. 

    Amava minha família. Pais, seis irmãos, e agregados. A Família Araújo, que tinha poetas,  torcedores rubro-negros, cantores desafinados, num DNA de seriedade, coragem e luta, cultivados por Nilma e Dinizar, pais valorosos. Nossos piqueniques em praias e parques, nossas ceias familiares, depois do Natal na igreja, com algazarra e implicâncias. Nosso Flamília, time de futebol em que usávamos rubro-negro e perdíamos muito, mas sem jamais desistir. Nossas cerimônias, como o ritual masculino de os mais velhos rasparem o recente buço do mais novo. Nossa particular “São Silvestre”, corrida na madrugada do Ano Novo, entre nossa casa no fim da Rua João Caetano e a Praça Duque de Caxias. Nossas partidas de estranho rúgbi aquático, em que saíamos meio afogados, mas felizes, da piscina que nós mesmos ajudáramos a construir. Nossas duas irmãs, as “meninas”, nos enlouquecendo, aos “meninos”, quando com furor feminino, davam de arrumar o caos de nossas tralhas preciosas, e renovar os móveis, pintando-os ou encapando-os de flores, e mexendo tanto em tudo que chegavam a tirar a poeira da Lua, e trocar os planetas de lugar no universo. 

    A mim, por mistérios da vontade divina, a família gigantesca não foi concedida. Entretanto, Deus fez aportar em meu coração a filha tão amada, Mariana, que me deu Lukman e Liaflor, como chamo os netos maravilhosos. E a mim foi dada, ainda, a possibilidade de ajudar famílias, aconselhar casais, orientar pais, estimular filhos, motivar alunos para lides do bem. Por isso ainda me vejo, de certo modo, dentro do desenho de adolescente, à volta de imensa mesa de algazarra familiar das muitas famílias que por mim passaram, nas quais de um jeito ou de outro, me inseri, para desfrutar seus dramas e alegrias. Sou um certo pai de alguns, parente de vários, irmão de muitos.

    Hoje me deu escrever assim porque mais cedo, numa sala de espera, me vieram versos simplórios e mal acabados em que falo. Família à volta da mesa./ Causos, comida, alegria./ Sem celular ou internet./ Só gente de carne e sonho,/ conectada pelo coração./ Se doando likes ao vivo,/ em larga forma de abraço,/ compartilhando a respiração./ Como outrora faziam bem nossos avós./ Como devia sempre ocorrer./ Um jardim de celebração./ Cultive o seu, no seu coração./ Seja você quem reúne o amor à roda da mesa/ para cear ternura, brincar e sorrir./ Como um jardineiro, que faz seus canteiros florir.

    Família é agência do Reino de Deus, costumo dizer, em palestras ou sermões. Sempre há quem contradiga: pode ser sucursal do inferno. Verdade. Porque há quem queira famílias que caiam prontas do céu, sem sacrifícios, ou solidariedade. Família é construção. Seja lá que tipo de família for. Sempre implica amor, diálogo, bom humor, autoridade, e renúncia, muita renúncia, renúncia o tempo todo e diariamente. Renunciar para ganhar. Não se lamenta o que só aparentemente se perde. Porque o que de fato se ganha é mais valoroso. É maior. É eterno.

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