• Faixa presidencial se torna símbolo da conturbada e tensa relação republicana

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  • 31/12/2022 08:12
    Por Leonêncio Nossa / Estadão

    Na história política, a faixa presidencial virou símbolo da conturbada vida pública brasileira. O gesto de Jair Bolsonaro de não passar o poder a Luiz Inácio Lula da Silva neste domingo, 1º, é mais uma cena de uma República de tensões, ameaças e golpes.

    Outros seis ocupantes do Palácio do Planalto deixaram de entregar a tira de lã e seda verde e amarela ao sucessor. Teve quem sofreu isquemia cerebral, impeachment ou golpe. Houve ainda quem recusou o rito por desapreço à democracia.

    Desde que Juscelino Kubitschek inaugurou o palácio e Brasília, em abril de 1960, foram 18 substituições de presidentes – tirando três reeleições. Em um terço destas trocas não houve entrega de faixa. Quando havia, a situação costumava ficar tensa. Ao ser informado de que o eleito, Jânio Quadros, poderia fazer um discurso demolidor, Juscelino avisou que lhe daria um soco. Não houve ataque verbal nem físico, mas a faixa original foi levada pelo ex-presidente para casa – e reapareceria mais tarde num mausoléu construído em forma de pirâmide cortada na cidade.

    Militar

    Um ano depois, Jânio renunciou ao mandato, decisão vista como tentativa de golpe, e não passou o poder ao vice. Por sua vez, João Goulart sofreu golpe e estava no Rio Grande do Sul, em 2 abril de 1964, quando o presidente da Câmara, Ranieri Mazzilli, chegou ao palácio vazio. Dias depois, Mazzilli disse que era um “privilégio” concedido pelo “Altíssimo” passar a tira de pano ao marechal Castelo Branco, o primeiro dos cinco militares presidentes da ditadura.

    Aí virou troca da guarda. Ao repassar o cargo ao general Costa e Silva, Castelo reclamou que alguns levantavam suspeita sobre a “autenticidade democrática” e chamavam a passagem de governo de “rendição de guarda”. Em 1969, Costa e Silva teve isquemia e não transmitiu o poder ao vice Pedro Aleixo, deposto por uma Junta Militar.

    Figueiredo

    Em 15 de março de 1985, o País acordou com a notícia de que o presidente eleito pelo Colégio Eleitoral, Tancredo Neves, tinha sido internado. Quando o então vice, José Sarney, chegou ao palácio, no fim da manhã, para assumir, o presidente João Figueiredo tinha deixado o prédio. Era a primeira vez, em Brasília, que um militar se recusava a transmitir o cargo.

    Com a morte de Tancredo, o mundo político pediu que o presidente fosse enterrado com a faixa. Sarney aceitou, mas mandou fazer outra para o morto e pôs a antiga no peito. Em 1990, cioso com a “liturgia do cargo”, entregou a faixa a Fernando Collor de Mello, que havia feito campanha contra o governo.

    A reconciliação ocorreu dias antes. A pedido do sucessor, Sarney decretou feriado bancário de três dias, o que permitiu a Collor confiscar, logo que assumiu, poupança acima do que equivale hoje a R$ 18 mil, sem dar chance de ninguém escapar. Nunca o cumprimento da tradição da faixa presidencial doeu tanto no bolso dos brasileiros.

    Depois, Collor sofreu impeachment e saiu do Palácio do Planalto pela lateral. O sucessor dele, Itamar Franco, passou o poder a Fernando Henrique Cardoso, em janeiro de 1995, que repetiria o gesto em 2003, dando posse a Lula. Durante a entrega de faixa ao petista, o tucano acabou se atrapalhando e deixou os óculos caírem. Lula se abaixou para pegá-los.

    Perdida

    A atual faixa presidencial foi confeccionada em 2007 para Lula entregar a Dilma Rousseff. Mas nem essa peça escapou do destino da confusão política. Em 2015, a tira foi perdida e Dilma usou a velha na cerimônia da reeleição. A faixa nova foi achada depois num armário do palácio, mas a então presidente sofreu impeachment no ano seguinte e não a passou a Michel Temer.

    Neste dia 1.º de janeiro, Lula irá ao Palácio do Planalto para assumir pela terceira vez a Presidência da República. Enquanto isso, Jair Bolsonaro deverá continuar em viagem a Orlando, nos Estados Unidos, terra dos parques temáticos, hábitat dos personagens de Walt Disney.

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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