• Fado em Cidades Históricas: “Enquanto fadista, me sinto uma transportadora de sentimentos”, diz Raquel Tavares

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  • Por Aghata Paredes

    Neste domingo, às 19h, o Palácio de Cristal receberá a artista portuguesa Raquel Tavares como parte do Festival Fado em Cidades Históricas. A fadista, que começou a cantar desde muito jovem, aos 14 anos, frequentando reuniões de fado e casas tradicionais de Lisboa, iniciou a sua carreira profissional no final dos anos 90, com o álbum “Porque Canto o Fado”. Alguns anos depois, em 2006, lançou o álbum homônimo “Raquel Tavares”, que lhe rendeu o Prêmio Amália Rodrigues de Artista Revelação. Em 2008, deu vida ao seu terceiro álbum, intitulado “Bairros”, considerado pela crítica um dos melhores trabalhos do gênero musical. 

    Após um hiato de oito anos, em 2016, ela lançou o álbum “Raquel”, incorporando influências de outros estilos musicais descobertas durante suas viagens e apresentações internacionais​. Um ano depois, ela homenageou um dos seus grandes ídolos, o Rei Roberto Carlos, através do álbum “Roberto Carlos Por Raquel Tavares – “Do Fundo do Meu Coração”. 

    Em 2020,  a artista portuguesa anunciou uma pausa na carreira musical. Durante esse período, ela se dedicou a outras atividades, explorando outros talentos, como atuação e apresentação na televisão. Mais recentemente, em 2023, para a alegria dos fãs, Raquel Tavares decidiu retornar aos palcos, retomando sua carreira musical com concertos agendados em diversas cidades espanholas, como Sevilha, Barcelona e Madrid​.

    Em entrevista exclusiva à Tribuna de Petrópolis, Raquel Tavares conversou a respeito de sua relação com a música e o fado, além de suas primeiras impressões sobre a cidade serrana, e brincou: “Vou falar com um pouquinho mais do meu ‘acento’ carioca, porque me dá uma saudade muito grande de falar no português do Brasil.”

    Raquel, antes de começar a cantar profissionalmente você já sabia que trilhar a sua carreira na música e no fado era um desejo genuíno? O que você fazia antes disso? Como você foi parar na música? O que inspirou você a seguir esta carreira? Pode comentar um pouquinho sobre as características do fado?

    “É um caminho muito natural. Eu, antes de começar a cantar profissionalmente, já cantava, porque comecei a cantar muito nova. Eu tinha uns cinco ou seis anos quando eu tive o primeiro contato com o fado. Foi até numa festa de escola, sabe? Aquelas festas de escolinha que os meninos têm que cantar para os pais, e a minha professora na época achou que eu tinha a cara de fadista, tinha um ar de fadista e me chamou logo para cantar um fado. Eu gostei muito do gênero musical, logo menina, porque era bem diferente do que eu escutava em casa e tal, e aí o processo foi esse: eu aprendi esses fados e perguntei para minha mãe se ela conhecia mais músicas desse tipo, e minha mãe me ensinou mais algumas. Eu não parava de cantar em casa até que surgiu uma noite de fado lá no bairro em que eu vivia. Essas noites de fado acontecem bem como o samba raiz, sabe? Nos botecos e tal, e é assim que acontece o fado mais do povo. Eu então fui numa dessas noites, cantei, eu tinha uns seis anos e eu não parei mais. A verdade é que todo final de semana eu ia cantar, onde havia fado eu ia cantar e foi um crescendo muito natural. Independente de em algum momento da minha vida eu ter pensado em seguir jornalismo, que eu gostava muito, eu gostava de ser repórter, sabe? Adoro a psicologia forense e tal. Eu, num momento da minha vida, pensei em fazer isso, mas a música falou sempre mais alto e eu, com 18 anos, já estava cantando nas casas de fado tradicionais na cidade de Lisboa. Daí, até gravar meu primeiro disco, enfim, foi um processo muito natural até então começar já com 21, 22 anos a fazer shows um pouco por todo o país e depois também começando a carreira internacional, que durou até quase aos meus 30 e alguns anos. Pelo meio foram quatro álbuns, graças a Deus, bem-sucedidos, bem aceitos. Respondendo à pergunta, o que são as características do fado, essa coisa de ser fadista, na minha opinião, ser fadista e cantar fado é cantar a vida. Então, a fadista que eu sou hoje não é igual à fadista que eu era quando eu tinha 20 anos, porque a vida era outra, eu cantava outro tipo de vida, outras experiências, e hoje eu me sinto cantando exatamente a mulher que hoje sou. Cresci muito, claramente, como intérprete, óbvio, aprendi muito com as viagens que fiz, até com a minha passagem no Rio. Eu vivi três anos no Rio de Janeiro, isso me mudou também artisticamente, mas o meu processo tem sido muito natural e respeitando sempre a minha vivência e passando essa verdade. Porque, no fundo, no final, o que importa é isso, é passar a verdade para quem está te escutando. Essa para mim é talvez a maior característica do fado: é você cantar a sua verdade e, com a sua verdade, você vai chegar nas pessoas.”

    Um dos aspectos que mais chama atenção no fado é a maneira como os artistas invocam sentimentos para dar vida às composições. Como você descreve o sentimento do fado e como ele se manifesta nas suas interpretações? O que a inspira, além da música? As artes, a literatura – os poetas portugueses? De onde você tira inspiração para transmitir essas emoções de forma tão autêntica nas suas performances, e o que ser fadista representa para você?

    “Claro que a poesia é fundamental. Eu sou muito, eu até costumo dizer que sou chata com a poesia, porque eu preciso cantar palavras que realmente me digam muito, me caracterizem, mas a minha maior inspiração como fadista é a vida, a minha, e hoje talvez eu sinta mais a capacidade de cantar a vida dos outros e as histórias dos outros. Quando eu era mais garota, eu só conseguia cantar a minha verdade. Hoje, eu consigo agarrar numa história de outra pessoa e cantar ela com propriedade, e isso que eu acho que torna os fadistas tão profundos, é isso que toca nas pessoas. E até o fato de a gente cantar com tanta profundidade, com tanta verdade, é exatamente isso que muitas vezes toca, por exemplo, povos onde a gente vai cantar, países onde a gente vai cantar, que as pessoas não entendem a nossa língua, mas se comovem. Porque o fadista traz uma carga emocional por conta de estar cantando suas dolências, suas alegrias, que toca nas pessoas. A verdade toca sempre, no final a verdade é o que toca sempre. Então é isso. Eu acho que, para mim, eu, enquanto fadista, me sinto uma transportadora de sentimentos porque eu pretendo invadir o espaço emocional de quem está me escutando e ficar lá por uns breves momentos e fazer as pessoas sorrirem e chorarem também, obviamente.”

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    Você é reconhecida por manter as tradições do fado enquanto incorpora elementos contemporâneos. Pode nos contar como consegue equilibrar essas duas vertentes na sua música?

    “Então, eu cresci num meio muito tradicional, de fadistas e músicos e poetas bem tradicionais, mas, naturalmente, todas as músicas populares tendem a evoluir, por assim dizer, e o fado não é exceção. E eu também tive essa passagem pelo fado um pouco mais contemporâneo, um pouco mais modernizado, e eu gostei muito. Acho que a forma que tem de conjugar isso, de não haver um choque, é fazer as coisas de forma que seja sempre para melhorar a musicalidade e não tão somente mudar. Tipo, vamos mudar para ser mais moderno? Não. Mudar para acrescentar, para enriquecer. Então, todas as mudanças que eu fiz em algum momento no fado que eu cantei, no tipo de fado que cantei, foram sempre para acrescentar, ou mais rítmica, com mais alegria, mais dinâmica. De forma também a chegar a um público mais jovem, porque eu compreendo que, muitas vezes, a poesia tradicional e a forma tradicional põem o público que não está tão desperto quanto a juventude, talvez para esse tipo de melancolia. Precisa aqui de um estímulo para escutar o resto, então a gente vai com uma musicalidade mais aberta, mais musical, por assim dizer, para essa expressão. Eu acho que quando é assim, quando faz sentido, quando é para enriquecer, não é difícil juntar a contemporaneidade à tradição. Mas, se você me perguntar que tipo de fado você mais gosta de cantar, eu continuo gostando mais de cantar fado tradicional. Eu gosto de cantar todas as outras músicas, eu amo cantar samba raiz, eu amo cantar flamenco, eu amo isso tudo. E amo cantar, sim, um fado também mais contemporâneo, eu gosto muito, me divirto muito, mas a minha primeira identidade é um fado tradicional, e é aquele que eu gosto mais de defender.”

    Agora, falando um pouquinho sobre o Fado em Cidades Históricas em Petrópolis. É a primeira vez que você vem à cidade? O que você costuma ouvir falar de Petrópolis? O que o público pode esperar não só da sua apresentação, mas do evento em si? Esse grande encontro que vai celebrar a lusofonia através de encontros especiais – um deles com você…

    “Na verdade, até comentava aqui com as pessoas que a gente, em Portugal, consumiu sempre muita novela brasileira, muitas, e toda hora alguma atriz falava: “Ah, esse final de semana eu vou pra Petrópolis!” ou era pra Angra, ou pra Búzios e tal. Então, Petrópolis, no meu imaginário, era assim, um lugar idílico. E, realmente, eu cheguei em Petrópolis e é a coisa mais linda, é uma região serrana bem diferente do Rio de Janeiro que eu conheço, mas é uma cidade com muita história, dá pra sentir a história dessa cidade, o peso histórico que ela traz. Fazer esse festival, para mim, cantar no Brasil, seja em que lugar for, é uma conquista tremenda, porque o Brasil tem uma importância muito grande na minha vida, na pessoa que eu sou hoje, e vir trazer minha cultura para um povo que eu amo tanto, e para estar perto de outra cultura que eu amo tanto, para mim faz todo sentido. Fazer esse festival nas cidades históricas faz mais sentido ainda, tendo em conta que a gente tem, enfim, muitas similaridades, o povo português com o povo brasileiro. Eu gosto de pensar que a gente é bem mais parecido do que possamos imaginar, e é isso que eu gosto de enaltecer nessa comunhão entre Portugal e Brasil. Então, para esse show aqui em Petrópolis, nesse festival, eu pensei em fazer um show tradicional, tendo em conta que a gente está celebrando o fado, é um show tradicional, sim, mas depois, pelo meio, eu tenho ali algumas coisas que, na verdade, é quase que homenageando a cultura brasileira e agradecendo o peso que a cultura brasileira teve em mim numa época da minha vida, e que me transformou como pessoa e como intérprete. Então, é um carinho que eu vou fazer para quem vier assistir, para o povo que vier assistir, e provar, sim, que nem todo fado é triste, e nem todo samba é feliz. A gente se parece muito, e é isso que eu pretendo com esse meu show aqui em Petrópolis. Desde já, deixar também o convite para todo mundo vir assistir ali no Palácio Cristal, que é a coisa mais linda, um lugar maravilhoso para fazer show, e eu gostaria muito que aqueles que viessem assistir saíssem daqui dizendo: “Ah, eu senti que eu estive numa noite de fado na cidade de Lisboa”. E se isso acontecer, então é sinal que eu fiz bem o meu trabalho.”

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    Com entrada gratuita, o Festival Fado em Cidades Históricas teve início nesse sábado (18) e segue até este domingo (19), no Palácio de Cristal. Confira a programação do último dia do evento:

    Domingo – 19 de maio

    • Abertura: 11h

    Expositores – Feira ao ar livre com artesanato, gastronomia, vinhos, porcelanas e livros

    • 11h30 – Programação Infantil – Oficina de Capoeira e Jongo com o grupo Abadá Capoeira de Petrópolis
    • 14h30 – Corrida de Caravelas com Contação de Histórias

    Workshop

    • 13h – Workshop de Culinária com a Chef Portuguesa Marlene Vieira

    Sarau Decolonial

    • 14h – Sarau Decolonial – Participações de: Joana Solnado (atriz portuguesa), Jonathan Raymundo (historiador e poeta), Viviane Vasconcelos (Professora de Literatura Portuguesa) e Winona Evelyn (Poeta e Produtora Cultural).
      Mediação: Nikita Llerena (internacionalista e pesquisadora do Bem Viver)

    Shows

    • 16h – Orquestra Maré do Amanhã com participação das cantoras Natasha Llerena e Raquel Tavares
    • 17h30 – Encontro inédito entre Marta Pereira da Costa (guitarra portuguesa) & Samara Líbano (violão 7 cordas)
    • 19h – Raquel Tavares (Portugal)

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