Exposição usa IA para revelar a ligação entre língua e música
O “bom dia comunidade” de Carnavália, canção dos Tribalistas, desperta Roberto Carlos que pergunta “como vai você?”, que recebe uma resposta de Chico Buarque e Paulinho da Viola, que ganha tréplica de Rita Lee também questionando “como vai você?”.
Esse jogo de palavras extraídas de 54 músicas brasileiras, contido na instalação sonora Palavras Cantadas, do produtor musical Alê Siqueira, funciona como boas-vindas da exposição Essa Nossa Canção, inaugurada na sexta-feira, 14, no Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo.
A mostra temporária, com curadoria de Carlos Nader, Hermano Vianna e Isa Grinspum Ferraz e consultoria de José Miguel Wisnik, tem como principal objetivo mostrar de forma sensorial a ligação entre a língua portuguesa e a música produzida no País, de diferentes tempos e gêneros.
Com esse objetivo, o trabalho proposto por Siqueira começa antes mesmo de os visitantes chegarem ao primeiro andar, onde a exposição ocupa três salas. No elevador, trechos de vocalizes de canções conhecidas, entre elas, Ilariê, Prefixo de Verão e Palco, começam a despertar os sentidos dos ouvintes.
Essa peça se junta à primeira instalação, a Palavras Cantadas, em um espaço à meia-luz, rodeado de um pano branco, com caixas de sons que emitem os trechos de músicas com apenas as vozes dos cantores, à capela. O áudio é apresentado em Dolby Atmos, a última geração em matéria de som.
TRECHOS. Os trechos cantados por nomes como Roberto Carlos, João Gilberto, Elton Medeiros, Elis Regina, Gonzaguinha, Clementina de Jesus, Caetano Veloso, Mano Brown e Lobão, entre outros, dentro de um roteiro, propõem novos significados para a canção brasileira.
Siqueira explica que a obra tem como objetivo acolher o visitante. “Essas palavras, despidas de seus arranjos, soam de forma vaporosa, etérea. É como se fossem o vento ou palavras-vento. Um discurso de sons no espaço”, acrescenta.
COMO ONDA. Essa ideia de palavras soltas no ar é bem acentuada quando o autor, em determinado momento, usa a voz de Elis extraída da gravação de Carinhoso. A palavra “vem” é congelada por alguns segundos em uma reverb, como se fosse uma onda. A partir do “como vai você?” – é incrível que Roberto Carlos tenha autorizado que sua voz aparecesse em uma obra de arte, à capela -, Jorge Ben Jor e Mano Brown mandam um “salve”, Alcione e Maju saúdam com “agô” (licença, em iorubá) e Caetano elogia o visitante dizendo “coisa mais bonita é você”.
A trama segue com perguntas como “o que será, o que será?”, “o que é que a baiana tem?” e “onde anda você”, até desacelerar. A gravação funciona em looping. “É para ser leve, sem o peso das obras”, diz Siqueira. A instalação também agrada a quem ouve de maneira mais técnica. O diálogo de vozes é travado, para além do sentido semântico, em contrapontos harmônicos, polifonias, modulações e polirritmias entre as frases.
Para isolar as vozes dos cantores, Siqueira utilizou a ferramenta de restauração Izotope – usada, por exemplo, para recuperar o som de vinil antigo. Mas nenhuma voz foi feita de forma artificial. “É um filtro ao qual eu dei um comando para que deixasse apenas as vozes dos artistas. Não é purismo, gosto de fazer dessa maneira”, explica Siqueira. “Prefiro usar as ferramentas a serviço da estética”, esclarece.
A segunda parte da exposição Essa Nossa Canção apresenta 10 monitores que exibem um vídeo de cerca de 40 minutos, dirigido por Daniel Augusto, no qual nomes da música brasileira recriam, à capela, clássicos da música brasileira.
Tristeza do Jeca, toada de 1922, composta por Angelino de Oliveira, ganha as vozes de Felipe Araújo e João Reis. Juçara Marçal canta Sinal Fechado, de Paulinho da Viola, e Johnny Hooker recria Conceição, sucesso de Cauby Peixoto. Carlinhos Brown canta O Vento, de Dorival Caymmi, uma espécie de canção-tema da mostra. Tom Zé e Gilberto Gil estão juntos em Asa Branca, de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira. Garota de Ipanema, de Tom e Vinicius, é cantada por Xênia de França.
FRUIÇÃO. “Nós, curadores, fizemos um esforço para que a exposição tivesse um sentido de fruição e não apenas de entendimento. Não queríamos uma tese sobre a música brasileira, mas mostrar a ideia de que a canção é a língua potencializada pela música, que penetra nas pessoas por canais não racionais”, explica Carlos Nader
A exposição ainda exibe dois documentários sobre como a música perpassa a vida do brasileiro. Um deles é As Canções (2011), de Eduardo Coutinho. Nele, o cineasta conversa com anônimos que cantam as músicas de que mais gostam e revelam histórias pessoais relacionadas a essas faixas. O segundo, inédito, feito para a mostra, com direção de Quito Ribeiro e Sérgio Mekler, é composto por pessoas, também anônimas, que cantam suas canções preferidas.
O corredor final da mostra traz um pacote de reproduções de folhas originais nas quais os compositores escreveram suas obras. Entre elas estão Águas de Março, de Tom Jobim, A Raça Humana, de Gilberto Gil, e Moça Namoradeira, de Lia de Itamaracá.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.