• Exposição revela a obra do pintor Paulo Pasta entre o sagrado e o laico

  • Continua após o anúncio
  • Continua após o anúncio
  • 14/09/2021 08:00
    Por Antonio Gonçalves Filho / Estadão

    Certa vez, o escultor mineiro Amilcar de Castro (1920-2002), homem de poucas palavras, virou-se para o pintor paulista Paulo Pasta e disse: “Teu trabalho é uma reza; estás dentro de uma catedral”. Com efeito, não haveria melhor lugar para a pintura deste artista que se firma como um dos vetores da pintura contemporânea brasileira em sua vigésima exposição institucional, simplesmente chamada de Luz, em cartaz no Museu de Arte Sacra. Tanto é verdade que sua agenda está lotada até o próximo ano. Quando a exposição do museu terminar, em novembro, começa sua individual na Galeria Millan. E, em abril de 2022, a conceituada galeria londrina Cecilia Brunson expõe 44 obras selecionadas por Gabriel Pérez- Barreiro, que foi curador da 33ª edição da Bienal de São Paulo (2017/18). Como se não bastasse, o colecionador Orandi Momesso confirmou a encomenda feita a Pasta para a pintura de uma capela no Parque Geminiani Momesso (1910-2003), que está sendo implantado em Ibiporã, Paraná, numa área de 80 hectares perto de Londrina.

    Isso mesmo, uma capela, como a de Matisse e Rothko. Momesso, como se sabe, é um dos maiores colecionadores de Volpi no Brasil e dono de um acervo que cobre praticamente os principais nomes da arte moderna e contemporânea. Pasta, que conhece tanto a capela de Rothko como a de Matisse, rejeita, modestamente, a comparação. “Não será exatamente uma capela, e sim algo mais próximo de um espaço para abrigar alguns trabalhos meus.” Agnóstico, Pasta já foi, contudo, analisado como um pintor de ícones, graças ao apelo de sua pintura silenciosa que convida o espectador à contemplação – e o ambiente do Museu de Arte Sacra, onde funciona um convento (na parte superior), não poderia ser mais apropriado para essas telas.

    Vale lembrar que, em entrevista à crítica Maria Hirszman, em 2017, o pintor, falando sobre seu ofício, afirmou: “Queria que minha pintura tivesse a possibilidade de transcender, que, olhando para ela, tivesse uma experiência diferente da ordinária, cotidiana”. Em outras palavras, ele quer, como queria Matisse, sentir pela cor. Ou, como Cézanne, fazer com que a cor seja o local onde o cérebro e o universo se unam. A cor, para Pasta, tem um efeito “regenerativo” com seu poder silencioso.

    No Museu de Arte Sacra estão obras de diferentes períodos, mas chama a atenção que as pinturas recentes ostentem a sugestão de um portal – figura que remete tanto às modernas fachadas de Volpi como aos portais dos renascentistas que separavam o mundo sagrado do laico. Essa “passagem” se torna explícita numa tela de 2016, Anunciação Rosa, que faz uma releitura bastante livre da Anunciação de Duccio, a ponto de expurgar as figuras da composição e só deixar visível a estrutura que separa o espaço mundano (onde está o anjo Gabriel) do sagrado (onde está a Virgem). À matriz bizantina de Duccio, Pasta responde com a planaridade contemporânea, mas segue fiel à polifonia cromática que, sutil, se espalha em um registro suave e harmônico, levando-a ao limiar do desaparecimento. São, enfim, cores atmosféricas, que aparecem e somem diante do espectador – daí que a chave fenomenológica seja apropriada para testemunhar a presentificação do tempo como um milagre.

    O crítico carioca Ronaldo Brito, que prepara com Pasta um livro para ser lançado na abertura da mostra da Galeria Millan, em novembro, comparou há alguns anos essa pintura a uma “biografia íntima”, um testemunho da índole “serena e contemplativa que não exclui, contudo, a incerteza e dúvidas”. Durante a pandemia, conta o pintor, ele e o crítico trocaram mensagens eletrônicas que são a base desse livro. Numa delas, Brito, ao se referir aos “pórticos” da produção mais recente, classificou essa pintura de “abstração existencial”. O mistério, observa o crítico, é um dos poucos sentimentos pictóricos, justifica. Querer pintar o mistério seria, portanto, uma “contradição em termos”.

    “Ninguém vê o mundo, o mundo é uma ideia e, como tal, invisível”, responde Pasta em sua mensagem. E por aí vai. Para Pasta, não existe um limite entre o que é considerado sagrado e profano. “Gosto quando as coisas se misturam”, diz. Ali mesmo, no Museu de Arte Sacra, repleto de santos e santas esculpidos por Aleijadinho e outros, o barroco acaba se encontrando com a pintura contemporânea, laica. E eles não brigam. “Queria muito fazer uma exposição aqui, que é um dos meus lugares favoritos em São Paulo”, diz Pasta. O curador da exposição Luz, Simon Watson, fala em “meditações físicas sobre a metafísica” ao se referir aos “portais” – ou umbrais – de Pasta, mas é certo que essa pintura, presa ao mundo sensível, do fenômeno, sugere que esse universo de aparências não tem um sentido platônico, mas morandiano – de fato existencial, como quer Ronaldo Brito. E abstrato.

    E a capela de Ibiporã, no Paraná, como será? Para citar mais uma vez Ronaldo Brito, a pintura de Paulo Pasta “procede quase a uma ascese laica” na contracorrente do desencanto geral. Ela foge ao domínio de uma turba que nos tranca num mundo oclusivo e estúpido, em que a pintura virou arma retórica e espetáculo banal. “Na capela de Rothko, não há retórica ou ilustração, mas uma demonstração de integridade frente à pintura pop de sua época”, comenta Pasta.

    É, segundo ele, o anúncio de um suicídio, o do próprio Rothko, que não chegou a ver a capela pronta. Já a de Matisse, ao contrário, “é uma celebração, uma festa”. Vai ser uma capela despojada, simples como a matissiana. “Mas a coisa mais difícil é manter a simplicidade, mostrar essa ausência de peso com todo o peso que Matisse teve de suportar para chegar lá.”

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

    Últimas