• Exposição na Casa da Princesa Isabel evidencia legado dos povos germânicos na cidade

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  • 16/mar 08:00
    Por Aghata Paredes

    A cidade de Petrópolis guarda em suas raízes a influência marcante dos colonos alemães, cujo legado deixou uma herança imaterial sem igual: a fé e a coragem, além do modo de vida simples. Tecelões, operários e proprietários de indústrias, esses colonos desempenharam suas funções com dedicação e boa vontade, marcando seus momentos de lazer com danças, bailes e festas, apesar de todos os desafios que encontraram ao longo da viagem.

    A exposição “Coragem e Fé, a Colonização Germânica de Petrópolis”, na Casa da Princesa Isabel, destaca o impacto artístico e sensível desse legado. Fruto do trabalho conjunto dos artistas da Di Paola Criações Artísticas: Lorena, Valéria, Sérgio e Henriqueta Bortolotti, petropolitanos de uma mesma família, a mostra é uma homenagem aos desafios enfrentados pelos colonos.

    Foto: Divulgação/Di Paola Produções Artísticas

    “A gente fala aos visitantes: hoje, todo mundo viaja facilmente. Naquela época, demorava cerca de 7 meses para sair da Alemanha até o Brasil, e de carro de boi.”  

    Lorena Bortolotti destaca a iniciativa de resgatar a veia artística da família, inicialmente voltada para a produção de brinquedos reciclados. A loja “Toy by Toy”, nas Duas Pontes, ganhou notoriedade em Petrópolis ao comercializar brinquedos de excelente qualidade. Naquela época, a família produzia bonecos para diferentes locais em Petrópolis, incluindo cursos de idiomas e shoppings. Com o tempo, o estabelecimento foi fechado, mas deu vida a um outro desejo: contar a história da cidade através de suas personagens mais marcantes.

    “Já que a cidade era turística, em vez de criarmos bonecos aleatórios, pensamos em contar a história da cidade. Valeria [minha irmã] foi dar aula depois que a loja fechou, eu trabalhava num laboratório de prótese dentária, e cada um voltou às suas respectivas profissões. Naquela época, estávamos tirando a nossa cidadania italiana. Durante algumas pesquisas, esbarrei em fotos da colonização alemã, da história de Petrópolis. E pensei: a história da cidade é contada em livros, em peças de teatro, inclusive pela minha mãe, Henriqueta Bortolotti, na primeira festa da Bauernfest, mas não em forma de arte. No laboratório, eu vivia a escultura e a modelagem só que em materiais distintos. Não estudei Belas Artes, como meus irmãos, mas essa minha experiência contribuiu muito para o meu conhecimento. Foi aí que comecei a colocar tudo o que eu encontrava em ordem cronológica, levando essa ideia para os meus irmãos e a minha mãe”, explica Lorena.

    A exposição resgata uma técnica antiga, o papel machê, cujas origens remontam à China, séculos atrás. Acompanhada de fotografias e referências históricas, “Coragem e Fé, a Colonização Germânica de Petrópolis” conduz os visitantes por um passeio sobre a história da cidade de Petrópolis. 

    O trabalho foi árduo durante o processo de pesquisa, elaboração e execução das mais de 40 peças ao longo de dez anos, conectando personagens e eventos. Por outro lado, além do apoio da Família Imperial e o reconhecimento do público visitante, a exposição também foi agraciada, em 2022, com o Prêmio Nair de Tefé da Academia Petropolitana de Letras. 

    Foto: Arquivo Pessoal/Di Paola Produções Artísticas

    “A trajetória da nossa família é de muito trabalho. Dom, claro, mas aliado ao estímulo e a muita dedicação. Minha mãe [Henriqueta] já era uma artista, meu pai desenhava extraordinariamente bem, mesmo sem ter estudado formalmente essa arte. Passei inúmeras vezes pelo processo desafiador de experimentar, errar, acertar e aprender. Esse foi apenas o começo, pois a continuidade demandou mais do que apenas talento”, destaca Valéria Bortolotti. 

    A jornada dos artistas foi permeada por obstáculos e momentos de incerteza. Foram anos dedicados ao aprimoramento de técnicas e meses dedicados à pesquisa histórica, tarefa que Lorena viveu intensamente imersa em bibliotecas e contando com a colaboração de historiadores, como o renomado petropolitano Joaquim Eloy. No trajeto, os artistas enfrentaram negativas, mas persistiram. “Na arte, você tem tudo para desistir. A produção de mais esculturas foi para que as pessoas vissem e compreendessem a construção da ideia, aquilo que queríamos retratar”, explica. 

    Ao criar um roteiro, conectando personagens e enfatizando o processo de imigração dos alemães para Petrópolis, os artistas deram voz às personagens que compõem essa história. A inclusão da carta de Paulo Barbosa, declarando que “Petrópolis deixa de ser um sonho e se torna realidade,” é exemplo disso. “Permitir que os próprios personagens contem a história oferece uma conexão mais profunda com os visitantes, que, ao observarem as esculturas, fotografias e documentos cuidadosamente escolhidos, criam associações e muitas, muitas, emoções. Em uma dessas ocasiões, tinha um menino, de 7 ou 8 anos, que estava chorando enquanto eu mencionava quanto tempo levava para viajar naquela época. Isso me tocou”, conta Lorena. 

    O processo de trabalho com papel machê envolve papel e cola, mas com desenvolvimento de uma massa própria. A preparação inicia dois dias antes da modelagem, com atenção ao tamanho da peça, já que ela perde líquido e resseca. Com peças em tamanhos naturais, pequenas, miniaturas, médias e gigantes, os artistas não utilizam forno, apenas uma fonte de calor próxima para acelerar a secagem. Além disso, explorar as possibilidades do papel é um verdadeiro desafio para a equipe, já que cada peça representa uma experiência única e, muitas vezes, imprevisível. “Cada criação é a primeira e, portanto, muito singular. Por exemplo, ao esculpir um caqui, levei uma semana para descobrir a abordagem ideal, buscando transmitir sua leveza”, conta Valéria. 

    Após o minucioso estudo das fotografias, a equipe dá início a um processo fundamental: a criação de uma escultura em metal, reproduzindo o tamanho real de cada personagem. Para isso, os artistas contam com o trabalho exímio de Nilberto Tesch, serralheiro que trabalha com a família Bortolotti há mais de 20 anos. Nessa fase, seu trabalho não se limita apenas ao aspecto técnico, mas também tem como objetivo proporcionar liberdade criativa às mãos dos demais integrantes. 

    Após essa etapa, a escultura segue para o ateliê de Valéria, onde o corpo é moldado com papietagem, uma técnica que envolve a sobreposição de papel. Este processo é delicado e exige paciência, mas é essencial para alcançar o resultado desejado, já que retratar cada uma dessas figuras conhecidas pelo público é uma grande responsabilidade. A artista dá vida a diferentes personagens através de suas expressões. “As mãos têm isso de transmitir a essência de uma personagem através de seus gestos e veias.  Destacar essas expressões é a minha prioridade. Estudei várias fotografias de diferentes ângulos, observando frente, lado e costas. Mesmo ao fechar os olhos à noite, as imagens da Princesa Isabel inundavam minha mente. Foi um processo de entrega muito grande, me afeiçoei a ela”, ressalta.

    “A ideia era valorizar a história da cidade, não queríamos que ficasse caricato. Com mais de 40 peças na exposição, cada uma passou por um extenso estudo e refinamento, muitas vezes sendo refeitas. Modelar o papel é um processo desafiador; é preciso cuidado, pois o papel seca e não pode ser modelado outra vez. É jogar fora e começar de novo”, explica Lorena. 

    A jornada da escultura não termina aí. Ela segue para a casa da mãe, Henriqueta, onde recebe cuidados relacionados às vestimentas e outros acabamentos. Segundo a artista, só na veste de Dom Pedro II, foram utilizados cerca de 200 tubos de glitter. 

    A primeira incursão no universo das exposições teve início em 2018, graças à colaboração de Marcia Braga, que proporcionou a oportunidade de os artistas exporem na Avenida Koeler. Naquela ocasião, a exposição representava apenas uma parte da dimensão que tem hoje, com menos da metade das peças e um espaço significativamente menor. “Foi, sem dúvida, uma experiência marcante de “colocar o bloco na rua”, como se diz popularmente. A partir dali, percorremos a cidade em busca de um novo local para expor”, lembra Lorena. 

    Durante essa busca, Henriqueta chegou a recorrer a suas orações, pedindo para que o lugar ideal surgisse. E, de forma quase mágica, esse desejo foi atendido. “Uma vizinha, Cristina Chimelli, que planejava uma exposição de louças, ofereceu-nos a oportunidade de incluir a figura de Dom Pedro em sua mostra. Assim, foi estabelecido o nosso primeiro contato com a Família Imperial, marcando o início de uma colaboração significativa e a continuidade da nossa jornada na divulgação da história da colonização germânica em Petrópolis”, explica Henriqueta.

    Além dos desafios relacionados à idealização do projeto, como as negativas, a preocupação em relação ao local para expor e a obtenção de recursos, que foram adquiridos a partir de uma caixinha da própria família, a equipe teve que superar outros dois: a pandemia e a enchente de 2022. “O início da nossa jornada expositiva foi marcado por um convite inicial de apenas 10 dias, que, devido ao grande sucesso, foi posteriormente ampliado para 3 meses. Durante esse curto período inicial, recebemos uma impressionante quantidade de quase 6 mil pessoas. No entanto, esse entusiasmo foi abruptamente interrompido pela chegada da pandemia. Por isso, as peças ficaram guardadas na Casa da Princesa”, conta Lorena. 

    Após o período de fechamento devido à pandemia, uma enchente resultou na perda de vários totens. Felizmente, a equipe conseguiu salvar as peças mais elaboradas, mas tiveram que abrir mão de muitos elementos. Num gesto de solidariedade e apoio à cidade, a equipe foi convidada a permanecer na Casa da Princesa, mesmo sem recursos. Nesse momento crítico, a Família Imperial desempenhou um papel crucial, fornecendo apoio financeiro para recuperar as peças danificadas e permitir que se reerguessem. “Se temos um patrocínio em relação a essa exposição é o da Família Imperial, e tem a simbologia desse período de destruição, superação e reconstrução, lembrando da coragem e da fé que moldaram a formação da nossa cidade, uma resiliência que remonta aos colonos e que, naquele período, vivenciamos”, ressalta Lorena.

    A resiliência dos colonos alemães e dos próprios artistas é homenageada toda vez que a Casa da Princesa Isabel recebe novos visitantes ou pessoas que já conheceram a exposição em um outro momento, mas retornam levando familiares, amigos ou colegas.

    “Nós ficamos íntimos do público, formamos uma grande família. Tem gente que já veio três ou quatro vezes, e volta trazendo gente querida, chamando a gente pelo
    nome e falando “Olha, trouxe meu neto hoje, porque é uma das coisas mais bonitas que eu já vi”, conta a especialista em figurino e costura, Henriqueta Bortolotti.

    Para aprimorar a experiência do público, foi implementado um QRcode que proporciona informações em inglês, garantindo que todos possam desfrutar plenamente da exposição e compreender a riqueza da história que é contada. Além disso, a equipe busca trazer para a Casa da Princesa Isabel iniciativas culturais, como concertos. Um destaque especial foi a participação do Coral de Petrópolis durante o Natal em 2023. “Foi emocionante. O concerto encantou todo o público presente, ainda mais ao som de Ave Maria e os sinos da Catedral”, conta Henriqueta.

    A mostra, que já atraiu mais de 35 mil visitantes do Brasil e de outros países, como Alemanha, França, Itália e Estados Unidos, faz parte de um projeto ainda mais amplo e especial, intitulado “Petrópolis, um sonho real”, que tem como objetivo dar continuidade à narrativa histórica da cidade por meio de outros recortes.

    A exposição “Coragem e Fé: A Colonização Germânica de Petrópolis” encontra-se em exibição na Casa da Princesa Isabel, situada na Av. Koeler, 42 – Centro, aos sábados e domingos, das 10h às 18h, e feriados sob consulta. Ingressos: R$20 (inteira) e R$10 (meia). Durante a semana, a visitação para grupos pode ser realizada através de agendamento. Mais informações: (24) 98807-6057 (WhatsApp).

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