Eu Confio em Vós, Senhor! Domingo da Divina Misericórdia
O ll Domingo de Páscoa, que celebramos hoje, conclui a “Oitava de Páscoa”, como um único dia “feito pelo Senhor”, marcado pelo distintivo da Ressurreição e da alegria dos discípulos ao ver Jesus. São João Paulo ll dedicou o presente Domingo à Divina Misericórdia, por ocasião da canonização da Irmã Faustina Kowalska, a 30 de abril de 2000. Na palavra “misericórdia”, São João Paulo ll encontrava resumido e novamente interpretado, para o nosso tempo, todo o Mistério da Ressurreição. Disse São João Paulo ll: “Cristo pascal é a encarnação definitiva da misericórdia, o seu sinal vivo”. A Misericórdia é a veste de luz que o Senhor nos concedeu no Batismo. Não devemos deixar que esta luz se apague; ao contrário, ela deve crescer em nós todos os dias, para levar ao mundo o feliz anúncio de Deus.
As misericórdias de Deus acompanham-nos dia após dia. É suficiente que tenhamos o coração vigilante para poder senti-las. Somos demasiado inclinados para sentir apenas a fadiga quotidiana que, como filhos de Adão, nos foi imposta. Mas se abrirmos o nosso coração, então podemos, mesmo imersos nela, ver também continuamente quanto Deus é bom conosco; como Ele pensa em nós nas pequenas coisas, ajudando-nos assim a alcançar as grandes.
A assim chamada a “Oitava” de Páscoa, que a Liturgia considera como um único dia: “O dia que fez o Senhor” (Sl 117, 24), não é um tempo cronológico, mas espiritual, que Deus inaugurou no tecido dos dias, quando ressuscitou Cristo de entre os mortos.
Nestes dias de Páscoa, a Liturgia nos fez assistir ao nascimento da fé pascal. Mediante a narração das aparições do Ressuscitado, vimos renascer nos discípulos de Jesus, desanimados e dispersos, a fé e o amor para com Ele: a Ressurreição gerou a fé.
Cristo ressuscitado é a razão de ser de nossa existência! Celebrar essa história é motivo de grande alegria para os cristãos.
A página do Evangelho, de João 20, 19-31, é rica de misericórdia e de bondade divina. Nela narra-se que Jesus, depois da Ressurreição, visitou os seus discípulos, entrando pelas portas fechadas do Cenáculo. Santo Agostinho explica que “as portas fechadas não impediram a entrada daquele corpo no qual habitava a divindade. Aquele que nascendo tinha deixado intacta a virgindade da Mãe pôde entrar no Cenáculo, estando as portas fechadas”; e São Gregório Magno acrescenta que o nosso Redentor se apresentou, depois da sua Ressurreição, com um corpo de natureza incorruptível e palpável, mas num estado de glória. Jesus mostra os sinais da Paixão, chegando a conceder ao incrédulo Tomé que os tocasse. Mas como é possível que um discípulo possa duvidar? Na realidade, a condescendência divina permite-nos tirar proveito até da incredulidade de Tomé assim como dos discípulos crentes. De fato, tocando as feridas do Senhor, o discípulo hesitante cura não só a sua desconfiança, mas também a nossa.
A visita do Ressuscitado não se limita ao espaço do Cenáculo, mas vai além, para que todos possam receber o dom da paz e da vida com o “Sopro criador”. De fato, Jesus disse duas vezes aos discípulos: “A paz esteja convosco!,” e acrescenta: “Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós”. Dito isto, soprou sobre eles, dizendo: “Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem os não perdoardes, eles lhes serão retidos”. É esta a missão da Igreja perenemente assistida pelo Espírito Santo: levar a todos o feliz anúncio, a jubilosa realidade do Amor misericordioso de Deus, “para que – como diz São João – acrediteis que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, tenhais a vida em seu Nome” (20, 31).
Imagino os Apóstolos cheios de júbilo, procurando Tomé para contar-lhe que tinham visto o Senhor! Mal o encontraram, disseram-lhe: Vimos o Senhor! Tomé continuava profundamente abalado com a crucifixão e a morte do Mestre; quer ver para crer! Acredito que os Apóstolos devem ter-lhe repetido, de mil maneiras diferentes, a mesma verdade que era agora a sua alegria e a sua certeza: Vimos o Senhor!
Hoje nós temos que fazer o mesmo! Para muitos homens e para muitas mulheres, é como se Cristo estivesse morto, porque pouco significa para eles e quase não conta nas suas vidas. A nossa fé em Cristo ressuscitado anima-nos a ir ao encontro dessas pessoas e a dizer-lhes, de mil maneiras, diferentes que Cristo vive, que estamos unidos a Ele pela fé e permanecemos com Ele todos os dias, que Ele orienta e dá sentido à nossa vida.
Desta maneira, cumprindo essa exigência da fé que é difundi-la com o exemplo e a palavra, contribuímos pessoalmente para a edificação da Igreja, como aqueles primeiros cristãos de que falam os Atos dos Apóstolos: “Crescia sempre mais o número dos que pela fé aderiam ao Senhor, uma multidão de homens e mulheres ” (At 5,14).
Oito dias depois Jesus apareceu aos Apóstolos novamente e agora Tomé também estava; Jesus disse: “A paz esteja convosco! Depois disse a Tomé: Mete aqui o teu dedo e vê as minhas mãos…, não sejas incrédulo, mas fiel (Jo 20,26-27).
A resposta de Tomé é um ato de fé, de adoração e de entrega sem limites: Meu Senhor e meu Deus! A fé do Apóstolo brota não tanto da evidência de Jesus, mas de uma dor imensa. O que o levou a adoração e ao retorno ao apostolado não são tanto as provas como o amor. Diz a Tradição que o Apóstolo Tomé morreu mártir pela fé no seu Senhor; consumiu a vida a seu serviço.
As dúvidas de Tomé viriam a servir para confirmar a fé dos que mais tarde haviam de crer n’Ele. Comenta São Gregório Magno: “Porventura pensais que foi um simples acaso que aquele discípulo escolhido estivesse ausente, e que depois, ao voltar, ouvisse relatar a aparição e, ao ouvir, duvidasse, e, duvidando, apalpasse, e, apalpando acreditasse? Não foi por acaso, mas por disposição divina que isso aconteceu. A divina clemência agiu de modo admirável quando este discípulo que duvidava tocou as feridas das carnes do seu Mestre, pois assim curava em nós as chagas da incredulidade… Foi assim, duvidando e tocando, que o discípulo se tornou testemunha da verdadeira ressurreição”.
Peçamos ao Senhor que aumente em nós a fé, pois se a nossa fé for firme, também haverá muitos que se apoiarão nela.
A virtude da fé é a que nos dá a verdadeira dimensão dos acontecimentos e a que nos permite julgar retamente todas as coisas. Somente com a luz da fé e a meditação da palavra divina é que é possível reconhecer Deus sempre e por toda a parte, esse Deus em quem vivemos e nos movemos e existimos (At 17,28).
Meu Senhor e meu Deus! Estas palavras têm servido de jaculatória a muitos cristãos, e como ato de fé na presença real de Jesus Cristo na Eucaristia, quando se passa diante de um Sacrário ou no momento da Consagração na Missa.
A Ressurreição do Senhor é um apelo para que manifestemos com a nossa vida que Ele vive. As obras do cristão devem ser fruto e manifestação de sua fé em Cristo. Hoje também o Senhor quer que o mundo, a rua, o trabalho, as famílias sejam veículo para a transmissão da fé.
A fé em Cristo era a força que congregava os primitivos cristãos numa coesão perfeita de sentimentos e de vida: “A multidão dos que abraçavam a fé tinha um só coração e uma só alma” (At. 4,32). Era uma fé tão arraigada que os levava a renunciar, voluntariamente, aos próprios bens, para colocá-los à disposição dos mais necessitados, considerados verdadeiramente irmãos em Cristo. É esta fé que hoje é tão escassa; para muitos que dizem ser crente, a fé não exerce influência alguma nos seus costumes nem na sua vida. Um cristianismo assim, não convence nem converte o mundo. É preciso voltar a acomodar a própria fé ao exemplo da Igreja primitiva; é preciso pedir a Deus uma fé profunda, pois que, no poder da fé, está a certeza da vitória dos cristãos. “Esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé! Quem é que vence o mundo senão Aquele que crê que Jesus é Filho de Deus?” (1 Jo 5,4-5).
“A paz esteja convosco!” (Lc 24, 36; Jo 20, 19.21.26). A Paz é o dom que Cristo deixou aos seus amigos (Jo 14, 27), como bênção destinada a todos os homens e a todos os povos. Não a paz segundo a mentalidade do “mundo”, como equilíbrio de forças, mas uma nova realidade, fruto do Amor de Deus, da sua Misericórdia. É a paz que Jesus Cristo adquiriu com o Preço do seu Sangue e que comunica a quantos n’Ele confiam. “Jesus, em Vós confio!”: nestas palavras resume-se a fé do cristão, que é fé na onipotência do Amor misericordioso de Deus.
Hoje a terra se une ao Céu para gritar: Demos graças ao Senhor, porque Ele é bom! Eterna é a sua misericórdia!
Que a Virgem Maria, Rainha do Céu, nos ajude a acolher plenamente a Graça do Mistério Pascal e a tornarmo-nos mensageiros corajosos e jubilosos da Ressurreição de Cristo.