Conheça o designer brasileiro responsável pelas novas ilustrações do mundo de Harry Potter
Quando criança em Caxambu, interior de Minas Gerais, o designer Eduardo Lima, 47, vivia sonhando com a imensidão do mundo e desejando ser diretor de cinema para contar suas histórias. Mal sabia que, anos mais tarde, ajudaria a construir um dos mais populares universos do cinema, o mundo bruxo de Harry Potter.
Além de criar elementos gráficos para os filmes da franquia, incluindo Animais Fantásticos e para o parque temático em Orlando, o MinaLima, estúdio de Eduardo e sua sócia Miraphora Mina, em Londres, é responsável pelas ilustrações das reedições dos livros, cerca de 25 anos após o lançamento do primeiro. Harry Potter e a Câmara Secreta ilustrado foi lançado no Brasil pela Rocco, com cores brilhantes, capa dura, elementos interativos em papel e mais de 100 ilustrações inéditas.
Mas a história de Eduardo com o bruxinho começa em 2001, quando ele resolveu se mudar para Londres para tentar trabalhar com cinema. Uma amiga com quem tinha trabalhado em um filme aqui no Brasil lhe passou o contato de Mina, que estava trabalhando no primeiro longa. O designer, à época com 27 anos, não sabia muito bem do que se tratava a história e correu para ler o livro. Me apaixonei e fiquei querendo saber o que acontecia depois”, lembra.
Então, ele mandou um e-mail para Mina que marcou um encontro entre os dois. Ela foi superbacana, respondeu no mesmo dia dizendo que tinha acabado de fazer o primeiro Harry Potter e que começaria o segundo filme”, conta. Ele diz que, de início, ela não poderia garantir nada, mas mesmo assim foi ao encontro com portfólio em mãos. Foi uma coisa mágica: ela me ofereceu uma semana de estágio e nunca mais paramos de trabalhar juntos.” Em 2021, celebraram 20 anos de parceria. A partir do terceiro, começamos a assinar juntos todo o design gráfico do filme”, lembra.
REIMAGINANDO O UNIVERSO. Grande parte do universo Harry Potter veio da mente dos designers do Studio MinaLima como por exemplo o Mapa do Maroto, que ajuda Harry a desvendar alguns mistérios ao longo dos livros, e páginas do Profeta Diário, o jornal do mundo bruxo, onde Eduardo confessa ter incluído alguns easter eggs como as letras capitulares das notícias, que juntas formam seu nome, ou o nome de sua mãe e irmãs com parte do expediente. Até Caxambu já apareceu no jornal.
Entretanto para as novas edições dos livros um desafio foi imposto: repensar todo o universo. A gente tem a oportunidade de ser diretor da história, de contar de um jeito diferente, estabelecer os personagens de outra forma, além do figurino, das locações, do castelo… É a visão do estúdio MinaLima”, conta. Mas como começar do zero algo com que se tem tanta familiaridade?
Desde o início a gente sabia que não poderia usar nada dos filmes, que tinha de ser uma nova visão dos livros, isso tem sido incrível.” Obviamente tudo tem de ser aprovado pela equipe de J.K. Rowling e da Scholastic, a editora britânica dos livros, mas Eduardo faz questão de lembrar que ambos deram ao estúdio carta-branca. Eles disseram: ‘a gente quer ver como vocês reimaginam esse mundo todo’.”
Ele conta que com este trabalho consegue ser muito mais fiel ao texto de Rowling. Se ela descreve o Mapa do Maroto quadrado, a gente vai ter de fazer um mapa quadrado”, diz. Segundo ele, uma das melhores partes do trabalho é reler a história e marcar passagens que acredita merecerem ilustração. Dessa forma, é possível olhar para outras partes dos livros que foram cortadas no cinema ou que nunca foram desenhadas em outras versões ilustradas. Dá até mesmo para recriar a imagem de alguns personagens. Tem uns que a gente adora, como a família dos Weasley. Está sendo incrível poder pensar que a mãe deles pode ser um pouco mais baixinha, o cabelo de uma forma diferente, está sendo superbacana, e pela recepção das pessoas, acho que estamos acertando”, comemora.
Não foi apenas o público que aprovou. Eduardo e Mina mostraram a releitura que fizeram de Hogwarts para Stuart Craig, diretor de arte dos filmes, e foram elogiados. Foi bacana ter a aprovação dele, tem sido uma experiência absolutamente incrível reimaginar essa história toda.” Os fãs também têm elogiado – alguns chegam a confessar que gostariam que seu primeiro contato com o mundo bruxo fosse com as edições ilustradas. E essas pessoas estão se casando e falam que é essa a edição que vão apresentar aos filhos”, diz.
INSPIRAÇÃO. Criar um universo inteiro que emociona tanta gente ao longo de 20 anos provoca também alguns momentos maravilhosos. Segundo Eduardo, ele e sua parceira de trabalho só começaram a se dar conta de que tinham criado o mundo bruxo” depois dos oito filmes finalizados.
Quando saiu a coleção dos filmes, percebemos que a linguagem gráfica se estabeleceu no mundo inteiro”, lembra. Dizíamos que éramos designers gráficos e nunca tínhamos feito branding, mas claro que fizemos. Estabelecemos uma linguagem gráfica que é usada até hoje”, afirma. Um livro celebrando as criações dos 20 anos de franquia deve ser lançado ainda este ano.
E, apesar de trabalhar nos bastidores e sua obra ser muito mais conhecida que a própria dupla, Eduardo conta como foi marcante o primeiro contato com os fãs de Harry Potter. Numa convenção em Chicago, nos chamaram para dar uma palestra. Ao ver o saguão do hotel lotado de pessoas vestindo roupas de Harry Potter, a gente se perguntava o que estava fazendo lá”, rememora ele, que sentiu fazer parte da vida daquelas pessoas. Durante a palestra foram aplaudidos quando um slide mostrava o Mapa do Maroto.
Muitos deles são mais velhos, designers, trabalham em filmes, e dizem que é por causa da gente. Saber que você ajudou aquela pessoa a fazer o que ela gosta por causa de alguma coisa que eu fiz é o melhor reconhecimento”, pontua.
OUTROS TRABALHOS. Além do universo de Harry Potter, Eduardo também participou de outros projetos, como Jogo da Imitação e Sweeney Todd: O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet. Os dois também ilustraram obras clássicas da literatura, o que, segundo o designer, foi o que motivou o convite para ilustrar os relançamentos das histórias do bruxinho..
Como muitos de sua idade, Caco cresceu junto com o bruxinho. Eu me sinto amigo dele, é impressionante, tenho a sensação de fazer parte dessa história”, diz. Ele conheceu Harry quando criança. Eu tinha entre oito e nove anos, meu avô me colocou de castigo por estar indo mal na escola, sem sair para brincar ou ver TV se não melhorasse minhas notas”, lembra. Sem muita coisa para fazer, ele aproveitava o tédio” lendo. Foi quando o avô o presenteou com Harry Potter e a Pedra Filosofal. Ele me apresentou um jeito de me divertir”, pontua.
De início, Caco não terminou de ler o livro, mas depois de ver o filme, cujo lançamento completou 20 anos, que ele se apaixonou pela história.
SUSTENTO. Perguntado sobre a importância dos livros em sua vida, ele é categórico. Tudo, desde amizades importantíssimas a pessoas relacionadas a mim, tudo tem a ver com HP. Representa todos esses laços que tenho na vida e hoje em dia, muito mais, é meu sustento”, conta.
O canal surgiu por acaso. Caco usava o Orkut para falar sobre Harry Potter. Com o fim da rede, migrou para o Facebook. Até que foi convidado por um conhecido a fazer vídeos sobre o bruxo. Respondi que não sabia fazer e ele me mandou gravar com o celular mesmo, que ele editaria”, diz.
Alguns vídeos depois, o canal tornou-se exclusivo sobre Harry Potter e Caco começou a melhorar a apresentação. Bolou um cenário, aprendeu técnicas de iluminação. E o número de inscritos foi crescendo, de 10 para 20, depois 50 mil. Aí pensei: se chegou nos 50 mil, pode chega nos 100 mil”, brinca. Nunca passou pela minha cabeça fazer isso para ficar conhecido, sempre tive noção de que as pessoas estão ali por HP, não por mim.”
FUTURO. Apesar de a série dos livros ter se encerrado, Caco acredita que ainda há muito para se contar sobre o mundo bruxo. A franquia Animais Fantásticos é um exemplo ao mostrar histórias que aconteceram antes da linha do tempo dos livros originais, com personagens citados neles.
Meu sonho é que sejam produzidas séries. Há dois assuntos que eu gostaria de ver: um sobre como os fundadores de Hogwarts se conheceram e como foram os primeiros anos da escola e outro sobre o período da primeira guerra bruxa, mostrando a ascensão de Voldemort”, diz. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.