‘Está tudo abandonado’, diz juiz que tornou réus os matadores de Dom e Bruno
Para o juiz Fabiano Verli, da Vara Federal Cível e Criminal de Tabatinga (AM), o assassinato a tiros do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Philips no Vale do Javari, no Amazonas, revela o ‘grau de abandono de região ainda muito preservada e de valor ecológico e etnográfico inestimáveis’.
O magistrado colocou nesta sexta-feira, 22, Amarildo da Costa Oliveira, o Pelado, seu irmão Oseney da Costa de Oliveira, conhecido como Dos Santos e Jefferson da Silva Lima, o Pelado da Dinha, no banco dos réus pelo duplo homicídio de Bruno e Dom, ressaltando que a denúncia do Ministério Público é ‘coesa e os elementos probatórios são fortes’.
“Quaisquer que sejam os motivos exatos do crime (que, muita coisa indica, aconteceu em termos parecidos com os descritos nesta denúncia), vejo um quadro geral de vítimas do descaso da sociedade, não só do Estado, com as aspirações legítimas de índios e não índios. Estes, igualmente vítimas. Falo genericamente, sem referência direta aos detalhes deste caso concreto, que envolve, tudo indica, crueldade flagrante. A questão é que está tudo abandonado em diversas áreas”, registrou.
No caso das mortes de Bruno e Dom, o magistrado ponderou que há duas confissões críveis nos autos, ressaltando ainda as fotos e o fato de os restos mortais do indigenista e do jornalista terem sido encontrados pelas indicações de acusados. Apontou também os testemunhos ‘precisos’ e laudos – “tudo confluindo para uma probabilidade alta de autoria pelos acusados”, ponderou.
Além disso, o juiz ressaltou a competência da Justiça Federal para julgar o caso, considerando que a ela cabe a missão de analisar ‘conflitos em que coletividades indígenas sejam parte’. Nesse contexto, Fabiano Verli destacou a atuação de Bruno e Dom em defesa da Amazônia e dos povos indígenas.
Sobre o indigenista, afirmou: “Bruno, mesmo licenciado, trabalhava como consultor em assuntos indigenistas. Nunca se afastou disso e era visto, talvez mais ainda, como encarnação do Poder Público na sua face voltada para o gerenciamento da convivência entre índios e o resto da comunidade nacional – objeto da Funai. No mínimo, um ativista de causas coletivas. Ativista é aquele que age. E agir é perigoso. Vários exemplos trágicos no Brasil mostram isso”.
Já com relação ao jornalista britânico, assinalou: “Dom era um jornalista, tudo mostra, fato notório, engajado. Tinha uma causa. Concorde-se ou não com sua causa, ele a tinha e estava em pleno exercício da perigosa função do jornalista investigativo, documentarista e similares”.
No despacho de quatro páginas, o magistrado ainda aproveitou para falar sobre o ‘fluxo incessante de negação a respeito das peculiaridades da Amazônia’.
“A Amazônia da terra branca, fraca. Da gigantesca planície alagadiça, dos igapós, dos furos e dos igarapés congelantes não é Minas, não é Santa Catarina, não é Piauí. Amazônia tem suas forças e fragilidades naturais, mas tem também seres humanos, que têm o direito de perseguir sucesso material, sustentável, comer bem, vestir-se e buscar a felicidade. Igual a um carioca. Igual a um pernambucano. E seres humanos que igualmente têm o direito de serem deixados em paz com seus hábitos, sonhos e costumes nas suas terras, se assim quiserem permanecer”, escreveu.