• Espírito empreendedor, Vieira e Fidalguia

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  • 15/07/2023 08:00
    Por Gastão Reis

    Meu entusiasmo pela figura do empreendedor resulta de sua capacidade de criar e realizar. A origem grega da palavra entusiasmo (entheos) é reveladora: en (dentro) e theos (Deus), aquele que traz Deus dentro de si, ou aquele que é inspirado por Deus. De fato, a história pessoal dos grandes empreendedores deixa claro seu entusiasmo e sua capacidade de criar novos mundos a partir de nada ou quase nada, como foi o caso, no Brasil, das Baterias Moura. Nascida um tanto “perdida” na pequena cidade de Belo Jardim, no agreste pernambucano, a cerca de 200 Km do Recife e a 2500 Km do centro nervoso da indústria automobilística brasileira em São Paulo, tinha tudo para dar errado é hoje “apenas” a maior fabricante de baterias do País.

    O empreendedor transforma seu sonho em realidade contra tudo e contra todos, pelo menos nos primeiros momentos que decide levar adiante seu sonho “maluco”. A reação típica de amigos e familiares é na base do “Você está doido?!” Trata-se de uma expressão com passagem obrigatória pelos ouvidos do empreendedor em seus tempos heroicos. Mas ele vai em frente como se fosse um surdo seletivo. Não ouve aquilo que vai lhe tirar o foco. Ou criar ruídos em suas antenas.

    (Imagine a seguinte cena. Um economista, de passagem por Belo Jardim, entrou num bar para tomar um cafezinho. De repente, entra o sr. Moura. Conversa vai, conversa vem, o economista lhe pergunta o que ele faz. Ele responde que montou uma fábrica de baterias naquela pequena cidade. Eles se despedem. O economista sai convencido de que dialogou com um lunático, perdido no agreste pernambucano com sonhos de grandeza.)   

    A palavra empreendedor tem origem no francês – entrepreneur. Adotando a técnica do esquartejador de ir por partes, essa poderosa palavra pode ser desmembrada em três componentes: entre-pre-neur. Entre significa entrar; pre, primeiro e neur, centro nervoso. Ou seja, aquele que entra primeiro no centro nervoso de um negócio, criando-o a partir do zero ou reformulando-o radicalmente de modo a abrir um novo mercado até então não percebido pelos demais. Para resumir: enquanto uns choram, ele vende lenços.

    Cabe ainda um esclarecimento quanto ao que é fundamental para o sucesso do empreendedor. Curiosamente, ter capital, crédito, escolaridade formal elevada, ser jovem ou maduro, pertencer ao sexo masculino ou feminino, nada disso é pré-condição de sucesso. Diante de seu espanto, você deve estar se perguntando: o quê, então, de fato, conta para ele chegar lá. A resposta é muito simples: comportamento proativo e uma imensa capacidade de aprender na escola da vida, ou seja, muita escolaridade informal. A escolaridade formal não desenvolve, necessariamente, nas pessoas essa capacidade de aprender por elas mesmas. O professor, por vezes, exerce junto ao aluno o papel de muleta permanente.  

    A reação do acadêmico e do empreendedor, em especial no Brasil, diante de algo que desconhecem é mais que ilustrativo em termos dos resultados práticos e da velocidade de um e de outro para atingir sua meta. O acadêmico vai-se sentar e estudar cuidadosamente o assunto ao passo que o empreendedor vai-se levantar da cadeira e contratar alguém para lhe dar a resposta de que precisa. O “doutor” Camargo Correa, multinacional brasileira da construção civil, resumiu essa postura numa frase memorável: “Sempre trouxe para trabalhar comigo gente muito mais competente do que eu.” É também uma lição de humildade.

    Meu objetivo ao escrever meu livro “Revele-se Empreendedor – Os segredos de quem faz acontecer – foi despertar nas pessoas seu lado empreendedor que, contrariamente ao que diz a sabedoria convencional sobre o tino comercial nato, pode ser desenvolvido tanto para satisfação pessoal e – por que não dizer? – para o bem do País. Eu mesmo me considero uma pessoa que passou por essa dolorosa, mas gratificante, transformação pessoal de ir além do acadêmico, que estudou economia durante quatro anos na Universidade da Pensilvânia, para dominar esse novo mundo em que o espírito empreendedor está no comando.

    No meu caso pessoal, combinar essas duas experiências de vida foi tremendamente enriquecedor. De toda forma, tendo-se ou não formação acadêmica, o que importa é desenvolver nossa capacidade de nos levantar da cadeira, de nos mexer, de fazer acontecer.    

    O Padre Antonio Vieira, o imperador da língua, segundo o poeta Fernado Pessoa, arrolou os dez predicamentos (predicados) da fidalguia transcritos a seguir: “Há fidalguia que é substância, porque alguns não têm mais fidalguia que a sua substância; há fidalguia que é quantidade: são fidalgos porque têm muito de seu; há fidalguia que é qualidade, porque muitos, não se pode negar, são muito qualificados; há fidalguia que é relação: são fidalgos por certos respeitos; há fidalguia que é paixão: são apaixonados de fidalguia; há fidalguia que é “ubi” (lugar): são fidalgos porque ocupam grande lugares; há fidalguia que é sítio e desta casta é a dos títulos, que estão assentados e outros em pé; há fidalguia que é hábito (indumentária): são fidalgos porque andam mais bem vestidos; há fidalguia que é duração: são fidalgos por antiguidade. E qual destas é a verdadeira fidalguia? Nenhuma. A verdadeira fidalguia é ação. Ao predicamento da ação é que pertence a verdadeira fidalguia: as ações generosas e não os pais ilustres são as que fazem fidalgos. Cada um é suas ações e não é mais nem menos.”

    Fidalgo, ao pé da letra, significa filho de algo, e não filho de alguém (importante). O empreendedor é, sobretudo, filho de suas ações, de suas obras. Mereceria, sem dúvida, o reconhecimento do Padre Antonio Vieira em seu mais alto grau: a essência da fidalguia. Um mundo melhor só pode ser construído se a fidalguia da ação for nosso norte orientador. A essa altura, caro(a) leitor(a), já deu para perceber que fidalguia e espírito empreendedor são parentes muito próximos.  

    Nota: “Dois minutos com Gastão Reis: A cooperativa e o mercado”.

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