• Escola de problemas

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  • 29/jun 08:00
    Por Ataualpa A. P. Filho

    Gosto de gostar. Gosto de sonhar, seja acordado, seja dormindo. Gosto do que faço, por isso não perco a oportunidade de aprender, uma vez que pretendo melhorar no meu ofício. Até na condição de aprendiz, procuro aprender a aprender. Esse gosto pelo que faço tem me levado a sonhar. Rara é a semana em que não sonho em ambiente escolar. A terça-feira passada, 24 de junho, não saiu da rotina…

    Era noite de São João! Fechei o expediente por volta das 22h. A saudade falou mais alto. Fui para cama mais cedo, pensando das festas juninas da minha infância: as fogueiras, as abóboras, as batatas-doces assadas na brasa. Os milhos-verdes que ficavam pretos depois de assados. As bombinhas debaixo das latas. Como a rua em que morava em Teresina, na época, não era asfaltada e a iluminação dela era precária, a luz da lua, as estrelas eram mais visíveis. Eu ficava a imaginar: como naquele pedacinho de lua, cabia São João e seu carneirinho?!…

    Para mim, as fogueiras do dia de São Pedro não tinham a mesma magia das fogueiras de São João. Tenho algumas imagens cristalizadas na memória, uma delas é a de São João, não como um homem adulto, mas com semblante infantil ao lado do seu carneirinho e uma cruz na mão.

    Foi assim, em uma áurea saudosista, que esperei o sono chegar. Só que o sonho não foi tão agradável, contudo inusitado, que agora, vou lhe contar:

    Fui convidado por um senhor alto, elegante, bem vestido, para trabalhar em uma escola. Pela aparência dele, imaginei uma instituição de ensino bem organizada. Ele residia em uma casa retangular. A frente não era tão grande, mas era possível ver o comprimento dela. A cor era bege, as telhas bem colocadas. Havia eira, beira e tribeira. Não entrei. Fui atendido na porta.

    Aceitei o convite. Compareci no primeiro dia de aula. Era início do ano letivo. Achei estranho, pois se tratava de um prédio ainda em construção, não havia nenhum letreiro com o nome da escola. Nas paredes, não havia reboco, as instalações elétricas estavam expostas. Não havia recepção, nem secretaria. Entrei e parei no espaço que deveria ser a recepção. Várias pessoas se dirigiam a mim. Falavam o meu nome como se já me conhecessem. Professores, funcionários, alunos, pais, todos expondo problemas como se eu estivesse ali na função de coordenador.

    Parado fiquei sem nada entender. De repente, cinco pedagogas chegaram, dizendo que iriam trabalhar no serviço de orientação. Depois delas, entrou uma senhora de vestido branco e com uma bolsa marrom. Tinha pele clara e cabelos pretos longos. Não cumprimentou ninguém. Pela imponência, imaginei: “deve ser a esposa do dono”.  Com o olhar, acompanhei-a.  

    Uma das pedagogas que havia entrado voltou e entregou-me um cartão com vários telefones:

    – Este é o telefone do meu médico de enxaqueca, se eu tiver alguma crise, ligue pra ele. Esse outro telefone é do meu psiquiatra, caso tenha crise de ansiedade, avise a ele. Se tiver que sair daqui de ambulância, tem que ser branca. Não gosto de ambulância vermelha.

    Com o cartão na mão, segui pelo corredor que vi passar a senhora de branco. Cheguei a uma área aberta que parecia um quintal. Não havia muro. No fundo, passava uma rua de terra batida. Debaixo de uma mangueira, havia uma cadeira e uma mesa. E sobre esta; algumas folhas de papel. Quando me aproximei dela, vieram vários alunos. Reclamavam dos professores, das instalações da escola. Depois de tanto reclamar, começaram a fazer as típicas perguntas: “Cadê minha nota?”, “quanto tirei na prova?”,  “cadê meu boletim?”…

    – Ainda não dei aula, como vocês estão querendo saber das notas?! – Foi a primeira vez que falei no sonho.

    Diante de tanta insistência, passei a dar nota pela performance das reclamações. Parecia que ninguém conhecia gentileza. Não ouvi “por favor”, “com licença”, “obrigado”, tudo era na estupidez.

    Passei a pegar o nome dos reclamantes e dava uma nota. Passei a avaliar não as reclamações, mas como reclamavam. Entre eles, um garoto se destacou: tirou a camisa, inclinou o tronco para trás, com as mãos para o alto, disse que as salas eram horríveis, cheias de carteiras. As aulas eram muito paradas e chatas. Para ele, a sala teria que ser uma pista de dança.

    Angustiado com tantas reclamações, resolvi fugir daquela confusão. Saí pela rua dos fundos de terra batida. Deparei-me com uma outra calçada e arborizada. Todas as casas estavam com portas e janelas fechadas. Caminhando calmamente, ouvi uma voz:

    – Professor! Professor! Professor!…

    Olhei para trás. Vi um rapaz correndo. Parei e o esperei para saber o que pretendia:

    – O diretor, mandou perguntar, quando o senhor vai voltar.

    – Diga a ele que não vou voltar. As notas dos alunos estão na folha de papel sobre a mesa, lá debaixo do pé de manga…

    Acordei assustado com a garganta seca. Levantei da cama. Saí do quarto para pegar um copo d’agua na cozinha. Passei pela sala e perguntei à Alexia a hora e a temperatura. Eram 4h20 e a temperatura estava em 9º graus. Depois do copo d’água, voltei para cama, sabendo que não iria retomar o sono. Mas, pelo menos, já teria um mote para a crônica da semana.

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