Erro precioso
Gente tediosa essa, que acerta tudo e sempre sabe todas as coisas. Gente “perfeita”. Como essa qualidade é exclusiva da divindade, gente “perfeita” é irritante, porque inexiste. Apenas esconde seus erros. Fernando Pessoa, no “Poema em Linha Reta” do heterônimo Álvaro de Campos, desmascara essa hipocrisia da sociedade iludida, dizendo sem meias palavras “Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo. (…) – todos eles príncipes na vida… (…) estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo? Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?”.
Claro que Pessoa não está só. Quem escreve vai errar. Quem casa vai errar. Quem cria filhos vai errar. Quem trabalha vai errar. Quem respira vai errar. Só não erra quem morreu. A questão é saber o que fazer com o erro, essa estranha luz do humano. O erro bem medido, contado, examinado e pesado, é tesouro. Clarice Lispector proclamou que “o que se salva às vezes é apenas o erro, e eu sei que não nos salvaremos enquanto nosso erro não nos for precioso”.
São vésperas de Copa do Mundo. A grande seleção de 1982, de craques inesquecíveis, cheia de encantos e acertos, tinha a volúpia do ataque. Fazia tudo tão bem e tão certo, que era escrava da ousadia faminta de gols. Até que veio Paolo Rossi, e o Brasil de Zico errou. Com a vantagem do empate, num jogo atípico, em que a fraca Itália moribunda tinha escolhido ressuscitar justo contra os artistas brasileiros, o Brasil tinha que ter recuado, valorizado a posse de bola e assegurado a vitória. Mas prevaleceu o ímpeto atacante e a mais bela seleção brasileira desde 1970 tombou no Estádio Sarriá e o país se desmanchou em lágrimas. Erraram. O tetra só veio depois, com a seleção de 1994, de Romário e Bebeto. Não era um time brilhante, mas é injusto que o tenhamos julgado medíocre. Na verdade, aprendendo a valorizar mais a posse de bola, eles tornaram precioso o erro de 1982. E veio o título. Deu certo!
Em administração e empreendedorismo se aprende que “são necessárias 5 mil tentativas de inovação para que uma dê certo”. Esta conclusão da Universidade de Stanford ensina a valorizar 4.999 erros, fazê-lo preciosos, porque serão escada para o acerto e a vitória. A cada erro, necessário se faz inovar, tomar caminho diferente. Afinal, após constatado o erro, fazer as coisas exatamente da mesma forma e desejar resultado diverso, ou é empáfia ou é burrice mesmo. Que ignora o conselho de Bertrand Russel: “Porque repetir erros, se há sempre erros novos para experimentar?”. O erro precioso é aquele que nos leva por novos caminhos e ousadias, pois como disse Einstein: “quem nunca errou nunca experimentou nada novo”.
Então, se você errou na gestão da empresa, no relacionamento familiar, no planejamento da vida acadêmica, nem amaldiçoe esse erro, nem seja dele escravo – não tenha compromisso com o erro, como Juscelino Kubistchek. Erro é da bagagem humana. Um insumo. Incorpore-o à nova tentativa. Grandes artistas aproveitam o inesperado pingo de tinta sobre a obra para, dele, criarem elemento novo, cor diferente, inovação que faz o erro aperfeiçoar o quadro. Não chore no tropeço mais que o necessário a sarar o ardor dos joelhos ralados. Valorize-o e o utilize como calçamento da estrada do acerto. Como escreveu Denis Waitley: “erros são dolorosos, mas anos mais tarde, a coleção de erros é o que é chamado de experiência”. E a experiência é um tesouro.
denilsoncdearaujo.blogspot.com