Enfermeiras: anjos da guarda
Maria entreabre a porta do quarto de seus filhos. Silenciosamente. Dormem aquele gostoso sono de crianças. Envia para eles um beijo captado dos lábios pelos dedos da mão direita. Naquele momento sonhos felizes e o beijo alteram os pequeninos lábios em sorrisos doces e ligeiras acomodações nos leitos cercados de bichinhos de pelúcia, bonecas, miniaturas de carrinhos. Ela cerra a porta, caminha para a saída da casa. Sai e penetra na madrugada cinzenta, fundindo-se a uma tímida luz de um sol que vai nascendo para a aurora da vida de mais um dia.
Maria é enfermeira. Seu plantão está próximo, como em todos os dias e muitas noites e ela tem pressa. Um coletivo urbano está resfolegando seu motor junto a um abrigo, já com muitas pessoas acomodadas, às quais se junta a profissional da saúde.
Chega ao hospital, troca de roupa, higieniza-se e segue pelos corredores onde leitos e equipamentos e doentes e médicos e médicas e enfermeiras e enfermeiros e funcionários de conservação e higienização se esbarram, se comprimem, se entreolham com olhos cansados, quanto de vigília ofegante da infinita tristeza.
O cenário é aterrador; em cada centímetro do ambiente, o inimigo invisível busca brechas para acomodação do caos que ele objetiva a troco da missão odienta de ferir, diante das facilidades comuns às civilizações do pequeno planeta em seus descuidos pelo mau uso da natureza, que vem de milenares anos de expansão.
E doente o planeta, chega o momento da convocação dos anjos, não aqueles etéreos que salpicam as narrativas da imponderabilidade, mas anjos humanos junto às cabeceiras dos infectados, administrando medicações, cuidando da higiene, acompanhando e observando as evoluções das caminhadas do vírus assassino, derrotando-o, para ele perdendo batalhas, sem tempo para chorar, sem tempo para viver suas vidas e vigiados pela epidemia, pronta ao ataque ao mínimo descuido das ações deitadas à segurança. Mas as enfermeiras são anjos e os anjos estão acima do medo, da cautela, combatentes pela vida e inimigos da morte nas condições impostas em tão cruel e sombrio momento.
Maria sabe de sua missão, compreende que, por anjo, flana sobre todos os perigos, mas que deve enfrentá-los para honrar sua formação profissional quanto – e mais importante – salvar vidas, como os anjos da guarda dos pequeninos por eles velam e por eles não se intimidam e nem recuam.
E Maria, em meio às tragédias, prantos, euforias, tristezas, alegrias, pensa nos filhinhos de sua casa, dormindo serenos com seus bichinhos, seus sonhos, suas aspirações, que só poderão ser concretizadas com a proteção do anjo da guarda de cada criança e do anjo responsável e heroico que é o profissional da saúde.
Maria vê, no paciente, que ela trata com o carinho de mãe, a criança de alguns anos atrás, que dormia em bercinhos, em estrados de madeira, em panos amarfanhados, em palácios ou em casebres, cada um com seu anjo-da-guarda.
E ela, enfermeira Maria, trás de volta à vida dos pacientes um novo anjo-da-guarda, cuidando, salvando do infortúnio, elevando preces, acompanhando o repouso, transmitindo amor, chorando pela emoção de salvar como de desesperançar.
Enfermeira Maria, anjo-da-guarda da criança que habita qualquer peito adulto, continue iluminando, com seu heroico amor, o bem mais precioso do planeta: a vida humana.