• Em tempos de Trump esperam-nos tempos dramáticos e trágicos

  • 09/mar 08:00
    Por Leonardo Boff

    Se tomarmos a sério o projeto imperial de Donald Trump sob o lema ”America First (em entendido só a América) não é impensável que tempos dramáticos e até trágicos possam ocorrer. Seu propósito básico é usar o poder para todos os âmbitos e da vida. Compreendamos bem o tipo de poder. Não como expressão da cidadania, mas o poder como dominação no sentido que os pais fundadores da modernidade, Galileo, Galilei, Descartes, Newton, especialmente Francis Bacon conferiram a poder: é a vontade de potência/dominação sobre a natureza, sobre os povos (colonização) sobre as classes, sobre a matéria até o último topquark, sobre a vida até seu último gene. Esse projeto formulado na Europa, com o qual dominaram o mundo, foi radicalizado por Trump. E talvez tenha chegado também ao seu fim.

    Percebendo o império norte-americano em ocaso, assume o poder como dominação na sua maior radicalidade. Passa por cima da ONU, da OMC, OMS, de acordos internacionais, não respeita lei nenhuma, rompe com os próprios amigos, como os europeus. Tenta o diálogo, senão faz funcionar uso da força e da rendição do adversário. Nesse afã de poder bem no estilo de Hobbes, grande teórico do poder, se propõe agregar aos USA o Canadá, se apropiar da Groelândia e ocupar o canal do Panamá.

    Talvez a dimensão mais desumana e cruel seja a expulsão de milhões de imigrantes indocumentados, dividindo famílias, negando cidadania americana a nascidos nos USA, de filhos de imigrantes. Sua arrogância de fazer “a América Novamente Grande” (MAGA) o levou a impôr altas tarifas a produtos importados e ameaçando com pesadas penas econômicas e políticas aos países que se negarem a atender as suas pretensões. Deixa claro que os USA é o único país cujos interesses são globais e se dá o direito de intervir para fazer a América Grande Novamente.

    Todos os acordos mundiais acertados para minorar o efeito estufa foram por ele abandonados e considerados ridículos, como o Acordo de Paris de 2015. Incentiva exploração de energias fósseis e de carvão, principais causadores dos bilhões de toneladas de CO2 e metano lançados anualmente na atmosfera. É um negacionista radical, negando a ciência, fazendo cortes profundos à pesquisa notoriamente avançada nos USA. Levar a efeito tal propósito que vai contra a corrente mundial preocupada com o aquecimento global, com os efeitos extremos que revelam que a Terra está mudando e até já mudou, faz-se um inimigo da vida e da Humanidade. Possui uma mente assassina e ecocida, obcecado pelo poder absoluto, submetendo todo o planeta como se fosse o seu quintal ampliado do qual pode dispor como quiser.

    Logicamente a todo poder absoluto se opõe outro poder que lhe resiste e rejeita a  estratégia de dominação mundial. O que Trump quer conservar com unhas e dentes é considerar seu país o único poder a conduzir os destinos do planeta. Opõe-se radicalmente ao mundo multipolar, pois potências poderosas como a China e a Rússia e eventualmente os BRICs estão na mesma arena política, disputando poder no cenário mundial.

    Como Noam Chomsky e outros analistas da geopolítica mundial têm observado, depois de uma guerra econômica segue uma guerra militar. Observa ainda Chomski que há suficientes loucos no Pentágono que arriscariam uma guerra letal segundo a fómula 1+1=0, vale dizer, um destrói totalmente o outro e leva junto toda a humanidade. Se isso ocorrer, será o fim de grande parte da humanidade, o céu ficará branco pelas particulas, a fotossíntese das plantas e florestas será praticamente impossível, haverá perda das safras, grande fome, doenças derivadas do terror  nuclear e morte de milhões. Foi o sonho prognóstico de C.G.Jung antes de morrer.

    Tal tragédia não é impossível, porque os dados estão aí e nossa cultura insana que instaurou a ditadura da razão analítica sem qualquer consciência e compaixão pelas consequências daí derivadas; criou o princípio de auto-destruição; salvaguardados todos os benefícios que essa razão, inegavelmente trouxe para a vida humana. Mas tudo isso pode perder-se.

    Outros analistas aventam a possibilidade que não haverá guerras letais, mas total rendição da potência que chegou atrasas do desenvolvimento da IA autônoma, capaz de controlar cada pessoa, toda a estrutura energética e toda a vida de um país. Por isso há uma desesperada corrida pela IA tipo DEEP Seek, pois quem chega primeiro paralisaria o país do concorrente e tornaria totalmente ineficaz seu aparato bélico. Seria a abominação da desolação, em termos bíblicos, um drama atrás do outro e, quem sabe, o fim trágico do experimento humano. Depois que assassinamos o Filho de Deus quando se encarnou em nossa existência, nada mais trágico poderia acontecer, segundo a crença cristã.

    Nos perguntamos, por que não temos desenvolvido a Emoção Radical, já que esta é há milhões de anos mais ancestral e mais fundamental em nós, que a Inteligência? Esta jamais seria negada por ser um característica essencial de nossa existência, mas com a incorporação da Emoção Artificial, que prefiro chamar de Radical, por ser a raiz de nosso ser profundo e ser onde razão continuamente molha suas raízes, outra seria a atual situação humana: imperaria mais amor que ódio, mais cooperação que competição, mais cuidado que devastação da natureza.

    A vida passou por imensas crises e sempre sobreviveu, não será agora que vai desaparecer miseravelmente pela nossa falta de cuidado e de justa medida.

    **Sobre o autor: Leonardo Boff escreveu: “A busca a justa medida: como equilibrar o planeta Terra”, Vozes, 2024.

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