• Em ‘Tempo’, M. Night Shyamalan leva medo a uma praia

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  • 26/07/2021 08:00
    Por Mariane Morisawa, especial para o Estadão / Estadão

    Como todo o mundo, M. Night Shyamalan também acha que o tempo passa depressa demais. Nos últimos cinco anos, ele foi de não se preocupar com seus pais a pensar bastante neles, e a achar que talvez eles não estejam mais por aqui por muito tempo. Com as filhas – Saleka, de 24 anos, Ishana, 21, e Shivana, 16 -, pior ainda. “Elas passaram de minhas filhas a mulheres adultas poderosas que são artistas maravilhosas e me inspiram”, disse o cineasta ao Estadão. Saleka compôs a canção Remain, e Ishana foi diretora da segunda unidade do novo longa do cineasta, Tempo, que estreia na quinta-feira, 29. “Hoje, eu vou até elas procurando conselhos. Tudo mudou nos últimos cinco anos, todos esses relacionamentos se transformaram, e o filme fala disso.”

    Tempo é uma adaptação bem livre da graphic novel francesa Sandcastle, de Pierre Oscar Lévy e Frederik Peeters, publicada originalmente em 2011 e dada a Shyamalan de presente do Dia dos Pais pelas filhas. “Sandcastle chegou na hora certa”, disse Shyamalan, que costuma criar seu próprio material. “Eu não sou contra adaptações, é só que, quando me oferecem algum livro ou algo assim, eu já tenho uma ideia própria sendo desenvolvida. Aqui, a obra tinha uma cadência veloz que me interessava e falava das coisas em que eu estava pensando. Então veio no tempo certo.”

    Mas o roteirista e diretor tornou o material seu. Na graphic novel, a família central é formada por um casal, uma filha, um filho e um cachorro. Em Tempo, Guy (Gael García Bernal) e Prisca (Vicky Krieps) são pais de Trent (Nolan River) e Maddox (Alexa Swinton). Ele é um auditor, ela, uma curadora de museu. Os dois brigam muito, estão à beira do divórcio, e as férias são a última viagem juntos em família. Prisca também está sofrendo de uma doença grave. Ela encontrou na internet um resort luxuoso a preço bem camarada. Como se sabe, não existe almoço grátis.

    A família aceita a sugestão do gerente de um passeio exclusivo numa praia deserta. Só que, logo na van, dirigida por Shyamalan, que gosta de aparecer à la Hitchcock em seus filmes, descobrem que estarão com o médico inglês Charles (Rufus Sewell), sua mãe, Agnes (Kathleen Chalfant), a mulher dele, Chrystal (Abbey Lee), que tem uma deficiência de cálcio, e uma filha pequena, Kara (Mikaya Fisher). Na praia, encontram um rapper de certa fama, que atende pelo nome Mid-Sized Sedan (Aaron Pierre) e tem o nariz constantemente sangrando. E pouco depois, chega o casal formado pelo enfermeiro Jarin (Ken Leung) e a psicóloga Patricia (Nikki Amuka-Bird), que sofre de epilepsia.

    Um corpo que aparece na água é apenas o primeiro sinal de que algo está errado naquela praia paradisíaca. Quem tenta sair não consegue. E, terror dos terrores, todo o mundo envelhece rapidamente. A mudança é mais notável, lógico, nos mais velhos e nas crianças. Trent vai dos 6 aos 11 rapidamente e depois aos 15 (com o ator sendo substituído por Luca Faustino Rodriguez e então Alex Wolff). Maddox passa dos 11 aos 16, sendo interpretada por Thomasin McKenzie, num piscar de olhos. E a pequena Kara faz 15 anos num estalo, na pele de Eliza Scanlen.

    Shyamalan costuma dizer que cada filme representa o momento em que está. A passagem do tempo não é a única preocupação do diretor. Mais do que nunca, o cineasta nascido na Índia, que se mudou com os pais para os Estados Unidos ainda bebê, está celebrando o fato de ser imigrante. “Eu brinco que era ‘woke’ antes de todo o mundo. É maravilhoso ver as mudanças acontecendo”, disse Shyamalan. “Eu achei que era uma boa oportunidade de ter pessoas com aparências diferentes, com sotaques diferentes, interpretando simplesmente um pai, uma mãe, um médico. Não vamos nos concentrar muito nisso, mas nunca acontece de um ator mexicano ser o protagonista de um filme de verão. Aqui ele é apenas um pai e um marido. Isso está se tornando normal, e muitas famílias brancas americanas vão assistir e nem pensar sobre o assunto.”

    O cineasta disse que seu sotaque ao falar pode ser americano, mas, cinematograficamente, seu sotaque é diferente. Ele, que costuma aproveitar as sombras, os cantos, as frestas dos ambientes fechados ou claustrofóbicos, como na série Servant, do Apple TV+, aqui abraça os espaços abertos. “Foi essa chance que me levou a realizar este filme neste momento”, disse Shyamalan, que rodou na República Dominicana em plena pandemia. “É mais difícil fazer em plena luz do dia. O cenário é lindo e positivo, mas todas essas coisas horríveis estão acontecendo. É um pesadelo ao ar livre.”

    Por causa da pandemia, ele teve mais tempo para definir suas tomadas. O diretor é famoso por colocar tudo no papel, em storyboards detalhados. “Mas é um erro achar que é tudo rígido”, disse o ator Alex Wolff ao Estadão. “Claro que não dá para aparecer num concerto de música erudita tentando tocar jazz. É preciso tocar a música que ele toca. Mas você acaba tendo mais liberdade. Ele é preciso, mas gosta de escolher atores que destroem sua perfeição.”

    Shyamalan acabou optando por movimentar a câmera em ângulos para criar uma geometria na praia e movê-la independentemente dos personagens para representar a passagem do tempo. Naquela praia, cada meia hora representa um ano na vida de uma pessoa. “É muito estranho como o filme espelha este momento”, disse Shyamalan. Afinal, nesta praia aqui onde estamos desde o começo da pandemia, o tempo também parece se movimentar estranhamente, tanto rápido quanto parado eternamente no mesmo mês. O desejo, tanto no filme como aqui, é sair daqui o mais rapidamente possível.

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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