• “Em sete segundos a nossa vida virou de cabeça para baixo”, disse Cristiane Gross, antiga moradora da servidão Frei Leão, epicentro da tragédia de 2022

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  • 15/fev 07:30
    Por Maria Julia Souza

    Dois anos atrás acontecia a maior tragédia climática de Petrópolis, que resultou em 242 vítimas fatais em toda a cidade – 235 na chuva do dia 15 de fevereiro de 2022 e 7 na de 20 de março do mesmo ano. Somente na servidão Frei Leão, no Alto da Serra, foram registrados 93 óbitos e 54 casas destruídas, sendo considerado o epicentro da tragédia. 

    “As primeiras 37 horas após a tragédia, eu fiquei sentada em uma calçada atrás do BNH, para ser mais exata, na servidão Frei Leão, esperando notícias. Porque enquanto eu não tive certeza que tinha vindo tudo abaixo, a minha esperança é que eles estivessem isolados, sem internet e sem luz. E após 37 horas eu tive a notícia que haviam sido devastadas 54 casas, e que a minha estava no meio dessas 54 [casas], com toda a minha família dentro”, disse Cristiane.

    Cristiane Gross foi moradora da Frei Leão por 31 anos e perdeu nove familiares, incluindo uma vizinha que com medo da chuva, foi se abrigar em sua casa. Além de um imóvel de três andares conquistado após muitos anos de trabalho. Atualmente, vivendo no Quissamã, ela trabalha junto ao Ministério Público buscando a prevenção de desastres com medidas mais sérias e rígidas. Apesar de ter perdido a casa em que vivia, Cristiane não foi incluída no pagamento da compensação financeira do Programa Recomeço Seguro.

    Quatro meses após a tragédia e vivendo na casa de um amigo, Cristiane conta que recebeu vários “nãos” ao procurar uma casa para tentar retomar a vida. Segundo ela, os proprietários e imobiliárias tinham muita desconfiança, insegurança e incerteza, devido ao pagamento do aluguel social, o que a levou a demorar a encontrar o apartamento em que reside no Quissamã.

    “Quando apareceu essa indenização [compensação], fui procurada pelo secretário de Assistência Social, e na primeira reunião que eu tive com ele, me foi passado que as 54 casas que haviam sido devastadas no dia 15 [de fevereiro], seriam as primeiras a participar do processo de compensação. Em sete segundos a nossa vida virou de cabeça para baixo, e nós fomos descartados como lixo pelo Poder Público, que insiste em dizer que as famílias do Morro da Oficina tiveram o recomeço seguro. É mentira”, desabafou.

    Cristiane conta que hoje, ela e as demais 53 famílias que tiveram as casas devastadas na tragédia recebem o aluguel social no valor de R$ 200 pago pelo município e R$ 800 pelo Estado. No entanto, segundo ela, os moradores ficam na incerteza e no medo de perder o benefício e ainda lutam para receber a compensação financeira.

    “Estamos a mercê de um aluguel social, sempre na expectativa, incerteza e no medo, porque nessa picuinha entre Estado e município, ninguém dorme. Não temos a opção de sair da cidade, porque se sairmos [da cidade] a gente perde os R$ 200 da Prefeitura. A casa é o de menos, eu só não aceito é a sujeira, porque tem famílias com o psicológico completamente destruído querendo sair da cidade e não podem, porque se sairem já perdem os R$ 200. Se eu hoje receber R$ 100 a mais no meu salário esse mês, eu perco o aluguel social, mesmo tendo perdido tudo”, conta Cristiane.

    Cristiane conta ainda que após a conclusão da obra do muro que está sendo feito na localidade, vai lutar por um memorial com os 93 nomes das vítimas que perderam a vida na servidão Frei Leão.

    Luta por prevenção

    Cristiane, hoje, luta por prevenção de desastres com medidas mais sérias e rígidas, cobrando por reconstrução de bairros, contenção de encostas, canalização de água, desentupimento de bueiros, desassoreamento dos rios, entre outras medidas.

    “Coisas que eles [Poder Público] têm a obrigação de fazer, ninguém tem que brigar com eles por isso. Porque hoje, ao meu ver, a mudança climática está aí, os eventos catastróficos, os desastres ambientais vão ser mais frequentes e as chuvas virão com mais força. A natureza está cobrando tudo que foi tirado dela anos atrás. Nós temos omissão total do poder público em relação à prevenção, e eu sempre vou deixar isso claro, a prevenção não é interessante para eles, porque se houver prevenção, não há calamidade”, disse Cristiane.

    Projeto social

    Atualmente, ela possui um projeto social “Projeto Cristiane Gross”, que fica localizado na antiga Rua Chile, no qual supre famílias com cestas básicas e remédios. O projeto também possui um bazar que serve para suprir as suas despesas, que hoje conta com 196 famílias cadastradas desde a época da tragédia.

    Foto: Maria Julia Souza

    “O projeto tem me mantido de pé e é um meio de ajudar essas pessoas, que passaram o mesmo que eu passei. Tenho todo o direito de ser a pessoa mais infeliz, magoada e rancorosa do mundo, mas eu não quero isso para a minha vida. Então resolvi fazer da minha dor, transformar em luta e hoje eu ajudo muita gente aqui em Petrópolis”, contou.

    O que diz a Prefeitura

    Em nota, a Prefeitura informou que está realizando obras de grande porte no Morro da Oficina. Em toda a encosta: do Hipershopping até a Rua Oswero Vilaça. Obras de drenagem e contenção de encostas.

    As obras foram divididas em 3 grandes áreas: área 1 (entre o Hipershopping e a Rua Hercília Moret), área 2 (entre as ruas Professora Hercília Moret e Frei Leão) e área 3 (do início da Rua Frei Leão até a Rua Oswero Vilaça).

    Segundo o município, as obras tiveram início em janeiro, estão em pleno andamento e trarão segurança para centenas de famílias da região.

    Em relação aos pagamentos do Programa Recomeço Seguro, o Governo Municipal informou que é uma iniciativa inédita no município, voltado para as famílias moradoras de casas que precisam ser demolidas para que as obras de contenção no Morro da Oficina, no Alto da Serra, avancem.

    Para isso, foram pagas as compensações financeiras às famílias moradoras dessas casas que precisam ser demolidas. Todas as 245 famílias do programa já receberam essas compensações – totalizando um investimento de cerca de R$ 30 milhões de recursos próprios da Prefeitura.

    Em relação às famílias que não estão no escopo do programa, a Secretaria de Assistência Social informou que cerca de três mil famílias vêm recebendo regularmente o Aluguel Social referente às chuvas de fevereiro e março de 2022.

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