• Em novo álbum, Criolo põe melodia em discurso contra a desigualdade

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  • 09/05/2022 08:05
    Por Danilo Casaletti, especial para o Estadão / Estadão

    Em 2011, quando lançou seu álbum Nó na Orelha, o rapper paulistano Criolo cantou na faixa Não Existe Amor em SP – título que ganhou os muros da cidade em forma de grafite – que a capital paulista era um buquê. “E buquê são flores mortas”, alertou à época.

    Agora, Criolo lança seu mais novo álbum autoral – que acaba de chegar às plataformas digitais -, Sobre Viver, com 10 faixas que potencializam seu discurso contra as desigualdades que marcam a vida das grandes cidades, o racismo e a falta de oportunidade para crianças e jovens que vivem nas periferias do Brasil.

    É como se o rapper pegasse a água em que estava aquele arranjo de flores mortas que ele cantou no passado e fizesse com que todos pudessem sentir seu odor desagradável. Sim, a sensação não é das melhores. Se fosse, não seria o rap pungente de Criolo. E não teria como primeira música a faixa Diário do Kaos, que quase foi eleita para nomear esse novo trabalho.

    “Ser um herói para mãe, quem não quer ser?”, ele pergunta nos primeiros versos. “O rap foi a arte que me acolheu, que não teve preconceitos. Não me pediu nota de rodapé. Ele abre possibilidades de vida. Esse álbum é a força de reverberação de quando o rap entrou na minha vida, em 1987. Estamos de mãos dadas até hoje”, diz Criolo, 46 anos, em entrevista ao Estadão.

    PALAVRAS E RIMAS

    A descoberta da arte, sim, salvou Criolo, como ele mesmo gosta de ressaltar. Viu muitos amigos do Grajaú, na zona sul da cidade, ficarem pelo caminho. Ao tomar consciência de que as palavras admitiam rimas, foi mais além ainda ao perceber que esse jogo poderia ser repleto de significados.

    Na cabeça, um alerta – que hoje soa como versos – que sua mãe, Maria Vilani, sempre repetia: “Meu filho, nós nascemos em um mundo emprestado. Não fomos nós que o criamos. Temos que nos adaptar a ele. E você, todo dia, será cobrado porque ele é como é, mesmo não sendo você que o fez dessa maneira”.

    Dona Maria, a propósito, é uma das convidadas do álbum. Sua voz aparece em Pequenina, faixa que remete à morte da irmã de Criolo, Cleane, vítima da covid. A canção tem arranjos de Jaques Morelenbaum e participação de MC Hariel. “O que para vocês é vitimismo para nós é nossa vida”, diz a matriarca na gravação, citando uma das expressões que estão no centro da polarização que tomou o País nos últimos anos. No refrão com pegada soul, a voz da cantora Liniker.

    A faixa Pretos Ganhando Dinheiro Incomoda Demais abre outro diálogo, o do racismo. Produzida pelo duo Tropkillaz, formado pelos brasileiros Zegon e Laudz, com quem Criolo vem trabalhando desde 2020, ela tem toque com sintetizadores que remetem aos anos 1980. “Essa guerra não acaba”, diz a letra, em um canto quase gritado do rapper.

    ERRO PROPOSITAL

    “Podemos falar da gramática ou o que sugere a frase. A gramática como ferramenta de indagação do que é ou não é regra”, diz Criolo, sobre o erro proposital na concordância verbal do título.

    Outras duas faixas seguem com indagações correlatas. Yemanjá Chegou traz alívio no refrão ao chamar o menino que conhece bem os percalços da periferia de “rei”. Em Ogum, Ogum, outra referência às religiões de matriz africana. Essa última traz a participação da cantora cabo-verdiana Mayra Andrade e produção de Daniel Ganjaman e Marcelo Cabral, nomes recorrentes na discografia do artista.

    Criolo não se surpreende com a presença quase que dominante de enredos sobre orixás apresentados no carnaval que passou – a Grande Rio, vencedora dos desfiles do Rio de Janeiro, colocou na avenida a história de Exu, entidade cultuada na umbanda e no candomblé que é alvo de preconceito por parte de outras religiões.

    CRIANÇA PRESENTE

    “Foi uma resposta gigante, talvez para um grupo de pessoas. Não quero eu colocar nós versus nós de novo. Mas o que o presidente faz? O que o governador faz? Será que eles estão representando todos os cidadãos? Não se pode virar as costas para a fé do povo”, adverte.

    A criança é uma preocupação constante das novas composições de Criolo. Na música Sétimo Templário ele diz: o patrimônio do Brasil é futuro da criança/ nossa maior riqueza é o sorriso da criança/Slogan do governo: eu vou cuidar dessa criança, mas se vê a pele preta, eles vão matar essa criança.

    Momento de pura poesia, a faixa Me Corte Na Boca do Céu A Morte Não Pede Perdão junta novamente Criolo e Milton Nascimento. Fala do tambor do destino, que pode ser o de um revólver, da solidão de cada homem que se dilui na multidão do carnaval e o futuro nas mãos de um menino carvoeiro.

    MORAL. “Milton não tem ideia da moral que ele está dando para o rap. Ele é um ser de luz. Se todo o amor do mundo fosse uma flor, teria o cheiro, a voz e o rosto do Milton”, diz Criolo.

    Embora Sobre Viver tenha esse sentido de denúncia e urgência, as soluções para os problemas que Criolo lança luz também se fazem presente. A necessidade de olhar com atenção para a primeira infância, a tomada de consciência de que a favela não pode ser apenas objeto de estudo, mas sim de ação, a necessidade de congregação de todas as religiões e a interrupção do extermínio de vidas pretas.

    “O rap quer vida, alegria, não quer a morte. O fomento à desigualdade social é a ferramenta do mal”, diz Criolo.

    Sobre Viver, que Criolo classifica como diferente de tudo o que já fez, será lançado em São Paulo no dia 21 de maio, em apresentação no Espaço das Américas.

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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