Em fim de férias
Depois de participar de uma maratona de reuniões pedagógicas na semana passada, já exponho aqui as minhas desculpas, pelo excesso de frases motivacionais que possam surgir. Amigos e amigas sabem que sou um catador de migalhas do cotidiano. Continuo com o propósito de compor espelho a partir de cenas da realidade que possam conduzir a reflexões. As “não notícias” guardam o silêncio do anonimato. Apresentam peculiaridades que merecem uma atenção ampliada.
Este ofício é despretensioso, não dita regras, não tem caráter doutrinário, segue o fluxo da informalidade, sem obedecer às determinações do épico, nem do lírico. Em crônicas, é possível pensar descontraidamente.
Foram três dias à base de “coffee break”, emendando uma reunião na outra. Não deu para contar quantas vezes ouvi: paz, empatia, harmonia, parceira, tolerância, resiliência, esperança, companheirismo, comprometimento, ânimo, humildade, tranquilidade, alteridade, instabilidade, solidariedade, aprendizagem, respeito, cooperação, mediação, gestão, resignação, gratidão, inclusão, diálogo, família, leveza, otimismo, amor, trabalho, silêncio, horário, salário, responsáveis, empoderamento …
Nesse embalo, vieram expressões como: chão da escola, aprender a aprender, piso salarial, leitura da realidade, plano de curso, saúde mental, mudança de rota, busca ativa, memória afetiva, gestão coletiva, análise de nota, conselho de classe, redução de danos, equipe diretiva…
No calor das discussões, as siglas saltavam: BNCC, PNE, PPP, PDDE, ECA, SEI, ENEM, AAGE…
Pelas dinâmicas interativas, vi que a Poesia continua abrindo portas, partindo na frente para desarmar o ódio, as rivalidades, criando ambientes propícios para que as discussões sejam profícuas: – salve a Poesia nossa de cada dia!
Frases de poetas conhecidos e de autores desconhecidos desfilaram: “nenhum de nós é tão bom quanto nós todos juntos” (autor desconhecido), “a maior enfermidade é não ser ninguém para ninguém” (Madre Teresa de Calcutá), “para ser grande, sê inteiro: nada/ teu exagera ou exclui./ Sê todo em cada coisa. Põe quanto és/ no mínimo que fazes./ Assim em cada lago a lua toda/ brilha, porque alta vive.” (Fernando Pessoa), “Liberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta, não há ninguém que explique e ninguém que não entenda” (Cecília Meireles), “vamos de mãos dadas” (Carlos Drummond), “É preciso ter esperança, mas ter esperança do verbo esperançar, porque tem gente que tem esperança do verbo esperar. E esperança do verbo esperar não é esperança, é esperar. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo” (Paulo Freire).
E, para descontrair, abro um parêntese para contar um caso que revela o malabarismo das mães em período de férias:
Na quarta-feira (31/01), eu, mais um amigo professor e duas amigas educadoras marcamos uma reunião de trabalho na cafeteria de um shopping. Como esse trabalho não está vinculado a nenhuma instituição de ensino, optamos por um local mais descontraído. Uma das amigas chegou mais cedo, pois tinha outro compromisso no mesmo local. O amigo chegou primeiro à cafeteria por volta das 18:00, eu cheguei 10 minutos depois. Ele já havia pedido um “milk shake” duplo. Eu pedi um cafezinho e uma água. Cinco minutos depois, a filha dele, que estava no shopping, nos viu conversando e se aproximou:
– Pai, cadê a mãe?!
– Ela ficou em casa…
Pelo olhar, pela pergunta, eu saí em nossa defesa:
– Estamos aqui a trabalho. Vamos fazer uma reuniãozinha rápida…
Não sei o que ela poderia pensar, vendo dois coroas numa praça de alimentação em horário repleto de adolescentes…
Às 18:30, chegou uma das amigas com ar de alívio:
– Acabei de sair da sessão da tarde! Levei a criançada ao cinema!
– Cadê as crianças?! – Perguntei.
– Estão ali, lanchando com outra mãe. Agora podemos conversar tranquilamente…
Minutos depois, chegou a outra amiga que está envolvida em mais de mil e uma atividades. Trouxe a pauta da reunião impressa, distribuiu uma folha para cada um, já com espaços para as anotações. Imaginei: “essa vai ser rápida…”
Os assuntos foram surgindo. E, no meio das discussões, chegou uma das mães que estava com as crianças lanchando, olhou para nós e falou discretamente:
– Elas já terminaram…
Pela leitura que fiz, me antecipei:
– Já estamos acabando, só mais uns dez minutinhos…
– Podem continuar! As crianças estão lá tranquilas…
Aceleramos, pulamos alguns assuntos. Mas não foi o suficiente. Minutos depois, chegou a terceira mãe, a que ficou na incumbência de passear com as crianças pelas lojas de departamentos, aproximou-se da mesa e falou:
– Estamos indo! Vamos te esperar lá. Elas já estão muito agitadas…
Olhei para o relógio, 20:50. Espantei-me: nunca fiquei tanto tempo em um shopping sem livraria…