• Em ‘Amanhã teremos outros nomes’, autor retrata o colapso do amor

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  • 02/10/2021 08:28
    Por Ubiratan Brasil / Estadão

    Um dos mais poderosos nomes da moderna literatura argentina, Patricio Pron tornou-se conhecido por utilizar a ficção ao tratar de temas espinhosos da história de seu país, como o período da ditadura militar – em O Espírito dos Meus Pais Continua a Subir na Chuva, lançado aqui pela Todavia em 2018, ele promove um reflexão sobre o passado sombrio da Argentina, especificamente entre 1976 e 1981, período marcado por inúmeros assassinatos e desaparecimentos. Como peças de um macabro quebra-cabeça, os fatos são revelados por Pron como uma narrativa policial.

    Agora, em Amanhã Teremos Outros Nomes, recém-lançado aqui, Pron, de 45 anos, se desassocia da trama autobiográfica para, ainda na ficção, criar uma rede de histórias elaboradas a partir de experiências de amigos e conhecidos, principalmente aqueles que usam aplicativos para encontrar um parceiro. A partir de dois personagens, chamados apenas Ele e Ela, que se separam após cinco anos de relacionamento, Pron investiga o novo cenário de práticas amorosas, os mecanismos e as redes que fazem do desejo um produto de compra e venda e a mudança na moralidade e na conceituação das relações. Por e-mail, ele respondeu às seguintes perguntas.

    Para alguns, apaixonar-se é um negócio, porque existe uma troca (de sentimentos, no caso). Assim, em que medida o contexto político e social condiciona de fato os laços de amor?

    Nem todas as trocas são um negócio, acredito. E apaixonar-se, então, não me parece mesmo, exceto que pensamos em nós mesmos como uma mercadoria que se alienou para obter outra, que seria a pessoa que amamos – e, nesse caso, não poderíamos realmente falar de uma troca, já que a “mercadoria” que somos não se torna propriedade de outra pessoa, e essa pessoa também não nos pertence… Mas eu acredito que o quadro político e econômico (e tecnológico, que pertence às duas categorias anteriores) condiciona completamente as relações amorosas, dificultando-as, tornando-as possíveis ou simplesmente impossibilitando-as de imaginá-las, como aconteceu durante décadas com as relações amorosas entre pessoas do mesmo sexo. Nosso tempo (que, em certo sentido, é pós-econômico, pós-político, um grande momento para encerramentos) prefere que as relações entre as pessoas sejam fluidas, precárias, limitadas à prestação de um serviço, não vinculativas, otimizáveis, efêmeras. E era previsível que essa preferência acabasse sendo transferida para o reino das relações amorosas. O que podemos encontrar lá, agora, é o mesmo que temos no mercado de trabalho e na economia: incerteza e precariedade.

    Como é se apaixonar em um contexto de fragilidade sentimental como uma pandemia?

    A pandemia acelerou a tomada de decisões do tipo “devo mudar para casa da pessoa que amo ou devo deixá-la?”. Mas, em geral, acho que a pandemia apressou tendências que já podiam ser observadas antes de seu início, como a enorme saudade que sentem os personagens de Amanhã Teremos Outros Nomes, uma saudade tão grande que nem sequer sabem o que é e como se expressa. E a pandemia também serviu para ampliar ainda mais as diferenças na forma de conceber as relações amorosas que existem entre as gerações anteriores e a nossa: simplesmente, depois de um evento como o que estamos vivenciando (e como aconteceu depois das duas guerras mundiais ou da eclosão da aids), as ideias de intimidade, corpo, parceiro e casa não podem ser as mesmas. Não será mais possível amar como nossos pais e avós amaram. Mas isso, nostalgia à parte, pode não ser de todo ruim.

    Como movimentos sociais (como #MeToo e outros) transformaram a maneira de ver as relações humanas?

    Eles os transformaram radicalmente, acredito. E, embora obviamente tenham dado origem a fenômenos de histeria em massa e exageros grosseiros por parte de alguns e de outros, eles serviram para nos lembrar, por um lado, que todos nós temos limites que não queremos que sejam ultrapassados, e que outros também os têm, e devemos aceitar que é assim. Por outro lado, o que esse tipo de movimento revela, sem querer, é que as relações humanas não existem sem um certo grau de assimetria: há sempre alguém que ganha mais dinheiro, ou está mais bem posicionado, ou simplesmente goza de privilégios que lhe outorgam seu gênero ou raça – isso é algo que devemos levar em consideração, não para então acreditar que só são válidos os relacionamentos em que essa assimetria não existe, mas para pensar nos relacionamentos amorosos como mais um aspecto da sociedade em que vivemos e, assim, acabamos com as fantasias hollywoodianas de acaso e amor altruísta que tanto prejudicam algumas pessoas quando não são realizadas.

    Você acredita que o futuro do amor está em nossos telefones celulares e nos algoritmos?

    Temo que todos os aspectos de nossa vida atual (e em maior medida, no futuro), desde nossas relações amorosas aos empregos que teremos, além do que pensaremos sobre direitos humanos e a legitimidade política de algumas causas ou outras, até mesmo nossa percepção da realidade, enfim, tudo está determinado por algoritmos. Assim, a luta política dos próximos anos será marcada pelo resgate de uma soberania individual e de uma compreensão do tempo e do mundo que nos rodeia e que perdemos nas mãos das telas.

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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