Eletrobras completa três anos de privatização com entregas, mas ações ainda patinam
A Eletrobras completa nesta semana três anos como uma empresa privada, com avanços operacionais e de gestão, como uma redução de 18% nos custos operacionais (PMSO), de 27% no número de funcionários e de mais de 13 bilhões em passivos de empréstimos compulsórios. Por outro lado, aumentou o ritmo de investimentos de R$ 4,6 bi em 2021 para R$ 7,7 bilhões em 2024. Além disso, fechou um acordo que encerrou uma disputa com o atual governo.
O avanço dos números, porém, ainda não foi suficiente para destravar o valor de seus papéis nos níveis estimados à época. A ação ordinária era negociada há pouco aos R$ 41,03, abaixo dos R$ 42 precificados na oferta que acarretou a transformação da elétrica em uma corporation. À época, as casas de análise calculavam preço-alvo entre R$ 60 e R$ 70 por ação, o que não se materializou.
Entre as explicações para a atonia dos papéis estão fatores como a atual conjuntura do setor elétrico – com sua sobreoferta de energia, que afeta o preço do megawatt-hora (MWh) num período em que a companhia possui crescentes volumes de energia descontratada – e o cenário macroeconômico adverso. Adicionalmente, analistas também citam desafios enfrentados desde que o governo entrou com a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) questionando sua limitação do poder de voto.
Para Vitor Sousa, da Genial Investimentos, a ação ajuizada pelo governo Lula junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), em maio de 2023, levou a empresa a postergar medidas que levariam a um processo mais acelerado de melhoria (turnaround), mas que seriam polêmicas do ponto de vista político, como a incorporação das subsidiárias Chesf e Eletronorte e cortes mais profundos de funcionários. “Tenho impressão que parte da letargia diz respeito à suspensão de uma agenda mais sensível. A empresa seguiu com outras agendas – descruzamento de ativos, redução dos empréstimos compulsórios -, mas uma parte do turnaround foi desacelerado”, diz.
Na visão dele, apesar do desfecho relativamente favorável do acordo com a União – que manteve o limite de 10% de poder de voto ao governo, embora cedendo mais assentos no conselho da companhia – “ficou um gosto amargo”, diante da avaliação de que a tese da ADI não prosperaria em julgamento.
O mercado segue atento às potenciais influências do governo na companhia após o acordo. João Pimentel, do Citi, lembra que a União permanece como acionista com mais de 40% do capital total.
“Isso apresenta um risco político contínuo, já que a Eletrobras deve navegar suas relações com o governo tanto como acionista quanto como autoridade reguladora. Mudanças nas políticas regulatórias ou aumento da intervenção governamental poderiam impactar a direção estratégica da Eletrobras, potencialmente afetando sua estratégia de dividendos e planos de alocação de capital”, escreve, em relatório. Além disso, cita que a liderança da Eletrobras deve equilibrar interesses dos stakeholders públicos e privados, o que poderia limitar certas decisões operacionais.
Já o analista da Suno Research Bernardo Viero considera que a falta de valorização dos papéis desde a capitalização está atrelada ao atual momento do mercado acionário, esquecido frente à renda fixa por causa das elevadas taxas de juros. ” faz com que a geração de resultados das empresas de maneira geral não esteja bem refletida nos preços, que na minha visão estão em desacordo com o real valor de uma boa parte dos negócios”, diz.
O analista da Ativa Ilan Arbetman, por sua vez, destaca o “percalço” enfrentado pela companhia no primeiro trimestre de 2025 por causa de sua estratégia de comercialização, que a levou a um desempenho operacional abaixo do esperado. “Mas a tese segue intacta, e os preços de longo prazo da energia estão subindo, o que favorece quem está mais descontratado”.
Energia para venda
A liberação gradual da energia contratada sob o regime de cotas de garantia física para comercialização no mercado livre foi classificada inicialmente como um dos principais impulsos para companhia com a privatização, uma vez que o megawatt-hora (MWh) que era remunerado a cerca de R$ 90 poderia ser comercializado a valor maior. A chamada “descotização”, correspondente a cerca de um terço da capacidade da companhia, é gradual e será concluída em 2027.
Wellington Senter, diretor da Fitch Ratings, lembra que o cenário de preços futuros da energia traçado à época da privatização foi alterado significativamente, tendo em vista o crescimento mais acelerado que o projetado na geração solar distribuída, movimento que intensifica a sobreoferta de eletricidade no País. “O que estava no controle da companhia, ela entregou a contento, mas o que não estava, que é o cenário para o setor, principalmente de preços de energia, é mais preponderante”, diz.
Ele avalia, porém, que os preços estão um pouco melhores do que há um ou dois anos, embora ainda abaixo do vislumbrado à época da privatização. Isso permitiu a recente alteração na perspectiva do rating da companhia, de negativa para neutra. A classificação, porém, segue abaixo da nota do Brasil, enquanto antes da privatização acompanhava o rating soberano.