• Eleições e a sinuca de bico (política) do Patropi

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  • 01/10/2022 08:00
    Por Gastão Reis

    O Brasil parece ter uma estranha vocação para perda de tempo histórico. Quem melhor resumiu essa desconjuntura foi Roberto Campos quando disse que “O Brasil nunca perde a oportunidade de perder uma boa oportunidade”. Mas nem sempre foi assim. Basta levar em conta os diferentes períodos de nossa História. É impossível negar a marcha acelerada que foi a administração de Dom João VI entre 1808 e 1821. O próprio período colonial de três séculos ao nos darmos conta de que o ritmo foi semelhante ao dos EUA, se medirmos pela nossa renda per capita no mesmo nível da americana por volta de 1800. Texto do respeitado Prof. Leslie Bethell sobre “A Independência do Brasil” confirma que a economia brasileira já era maior que a portuguesa no período.  

    Do ponto de vista institucional, ao longo do século XIX, já no período independente, tivemos instituições (Carta de 1824) que tinham o mérito de dispor de instrumentos de controle do andar de cima, perdidos desde o início da era republicana. A essência da res publica, ou do bem comum, como meta  a ser buscada, se perdeu. Não é jogo de palavras afirmar que o Império foi bem mais “res publicano” do que a república (deles, no topo). Esse processo não se deu da noite para o dia. Ele foi desconstruindo o país aos poucos, sendo coroado com a constituição muito pouco cidadã de 1988, onde se misturou legislação constitucional com a ordinária, abrindo espaço para interesses de grupos muito distantes do almejado bem comum.

    Trata-se da síndrome do anda-e-para em que a segunda palavra vem levando a melhor ao longo do tempo. O crescimento pífio da renda per capita das últimas quatro décadas nos angustia a todos. No fundo, é reflexo de nossas escandalosas distorções político-institucionais. Estudo da ONU nos informa que cerca de ¾ da taxa de crescimento de um país (ou 50%, segundo outras pesquisas) pode se ser explicada por capital humano e pela qualidade de suas instituições (formais e informais), existindo uma relação visceral entre esta última e o clima indutor à valorização daquele.

    Merece registro, nessa linha, o trabalho dos Profs. D.C. Acemoglu e J. Robinson, que revela no título a que veio: “Institutions as the fundamental cause of long-run growth”. Ou seja, “Instituições como a causa fundamental do crescimento a longo prazo”. Foi exatamente essa perda de rumo que atuou como freio ao crescimento do país. É publico e notório o descaso com a educação básica de qualidade ao longo do século XX. E não mudou muito nas duas primeiras décadas deste século. Ensino público em tempo integral ainda é uma meta longe de ser atingida.

    Quanto à nossa sinuca de bico política, ela se manifesta tanto a curto como a longo prazo. Analistas políticos, quase sempre, descrevem o hoje sem levar em conta o ontem e o futuro, ignorando a atual moldura institucional desastrosa vigente. Um simples exemplo: a ausência de debate sobre a questão de não termos voto distrital puro (ou equivalente) ou a possibilidade de revogação de mandatos (recall). A falta desses instrumentos de controle dos políticos é a garantia da permanente desilusão da população com a política. Se nada for feito, vai continuar assim. Esta é uma previsão fácil de ser feita sem risco de errar.   

    Analisemos a corrida presidencial: Lula, Bolsonaro e Ciro. Confesso meu desalento ao ver Lula tratado como se merecesse credibilidade pública. Nem Fachin, o autor da proeza de liberá-lo para ser candidato numa votação marota de 3 a 2 numa turma do STF, sem ir a plenário, o eximiu de responsabilidade. “Justificou” sua traquinada com o argumento estapafúrdio de que o foro deveria ter sido Brasília e não Curitiba. Patético! E inaceitável.

    A miopia e a tendenciosidade de muitos comentaristas se revelam no tratamento dado a Lula em contraste com o concedido a Bolsonaro. Não que Bolsonaro não tenha tendências autoritárias, mas é curioso responsabilizá-lo pela aprovação do orçamento secreto vetado por ele e aprovado pelo congresso. Um mínimo de lógica deveria levá-los a incriminar o poder legislativo federal. 

    Pior: fazer vista grossa em relação ao controle social da mídia, que Lula continua a defender. Não obstante, Merval Pereira, em sua coluna no Globo, de 27.9.2022, diz que Lula pode ser acusado de muitas coisas menos de ser antidemocrático, termo que se aplicaria a Bolsonaro. E ainda repete a acusação sobre o orçamento secreto livrando a cara do congresso, que derrubou o veto. Mesmo erro da candidata Tebet que teve de engolir em seco, em debate com Bolsonaro, pois votou a favor de derrubar o veto presidencial.

    A gravidade de Lula insistir no controle social da mídia, após três tentativas dele e Dilma somadas, evidencia as consequências das tragédias venezuelana, cubana e nicaraguense de usar a lei (e o arbítrio) como instrumento de poder e censura. Trata-se de uma iniciativa reiterada muito mais grave à democracia. Bolsonaro reclama da imprensa, mas sabe que não tem respaldo da sociedade e nem das forças armadas para censurar os meios de comunicação. O exército, em boa hora, descartou novas aventuras golpistas. Seu histórico na América Latina e no Mundo é o pior possível.

    Muitos, como eu, gostariam de uma terceira via com outro candidato viável para ser o próximo presidente. Mesmo supondo Lula fora do páreo, Ciro Gomes seria o provável adversário de Bolsonaro. A sinuca de bico é que ele é estatizante e intervencionista, e reverteria a agenda que Paulo Guedes defende desde sempre. Na verdade, fosse quem fosse, teria que enfrentar um congresso que prefere enfiar a mão no bolso do respeitável público ao invés de tratar com respeito o dinheiro público.

    Em suma, estamos mal servidos em matéria de defensores do bem comum.  

    Sem uma profunda reforma constitucional, vamos continuar submetidos ao marca-passo institucional de que o Brasil se tornou prisioneiro. Resta-nos ir à luta para desmontar a sinuca de bico em que estamos.   

    (*)Nota: Link para vídeo meu, “A Câmara e o dinheiro público”, gravado no programa DOIS MINUTOS COM GASTÃO REIS, que se refere a Petrópolis de anos atrás, mas ilustra muito bem o espírito do que ocorre na Câmara Federal: 

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