• Educação: transformação e esperança

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  • 05/12/2016 10:25

    “A nova educação do mundo está a nascer no Brasil”. Foi assim que teve início a entrevista com o educador e pedagogo, o português José Pacheco. Conhecido mundialmente por ter idealizado o Projeto da Ponte, de Portugal, Pacheco está morando no Brasil e replicou a frase do filósofo também português Agostinho da Silva. Ele também acredita que a educação no país deve passar por um processo intenso de mudanças nos próximos anos. Em setembro, durante uma palestra em Petrópolis, no evento TED, Pacheco contou que acredita que a transformação no sistema vai começar no Brasil e depois expandir para o resto do mundo. Durante a entrevista, ele também citou o Projeto Independência, que é exemplo em Petrópolis de um novo modelo educacional. 

     O debate provocado pelo educador é de que o modelo atual de ensino não é mais eficaz. Não à toa que é idealizador de um dos métodos de aprendizado mais comentados do mundo. A proposta é de uma escola sem muros, sem salas de aula, que não há provas, nem séries ou ciclos. O projeto da Ponte prevê que alunos de diferentes idades possam se organizar a partir de interesses comuns para desenvolver projetos de pesquisa. Mas Pacheco acredita que esse modelo em sua totalidade não se encaixa para o país. “Não creio ser possível (e muito menos aconselhável) querer fazer réplicas da Escola da Ponte no Brasil. Aquilo que a Ponte pode conseguir é apenas inspirar os bons professores, que habitam a solidão e o anonimato das escolas brasileiras”. 

    Pacheco acredita ainda que os obstáculos à mudança por aqui são idênticos aos que encontrou em Portugal e em outros países onde participou do desenvolvimento de projetos. Mas acredita que no Brasil já é possível identificar uma sensibilidade, inclusive do poder público, que diz respeito à necessidade de criar condições de sustentabilidade de projetos, que considera inovadores. 

    Sobre as mudanças que acredita serem necessárias, destaca que: “Com muros ou sem muros, as escolas deverão operar uma ruptura com o modelo epistemológico do século 21. Deve passar de uma educação bancária para uma educação sustentável, com efetiva prática de inclusão, que poderá implicar no agravamento dos fatores de exclusão das crianças e dos jovens oriundos de segmentos sociais mais desfavorecidos e contrariar a perpetuação desses círculos de exclusão”. Sendo assim, acredita que um dos requisitos dessa educação sustentável será o da coerência entre o conteúdo do Projeto Político Pedagógico (PPP) e as práticas. Porém, criticou que, nos últimos anos, apesar de diversas tentativas de reformas, programas, projetos, congressos, cursos e afins, não se conseguiu melhorar a qualidade da educação nacional. 

    Mesmo assim, acredita que o Brasil tem tudo aquilo que precisa para transformar o sistema educacional. “Isso vai ser alcançado quando as escolas deixarem de estar cativas de um modelo educacional obsoleto e de uma gestão burocratizada, na qual os critérios de natureza administrativa se sobrepõem a critérios de natureza pedagógica”, enfatizou. 

    Para uma transformação eficiente destaca que as escolas devem contribuir para a formação do cidadão contemporâneo. “Esperam-se rupturas com uma tradição de educação hierárquica e burocrática. Quando ousarem com prudência, reconfigurarem as suas práticas, assumirem formas específicas de organização do trabalho escolar, em dispositivos de relação, nas atitudes do dia a dia, que viabilizem práticas de educação integral. Ou quando as escolas brasileiras cumprirem, efetivamente, os seus projetos, político-pedagógicos”. Pacheco completa ainda que as secretarias de Educação devem cumprir a lei de diretrizes e bases. Que a política educativa do MEC garanta o direito à educação a todos os brasileiros. “A mudança vai acontecer quando as lei forem efetivamente cumpridas e os critérios de natureza pedagógica prevalecerem sobre critérios de natureza administrativa”, ressaltou. 



    Reforma educacional do ensino médio precisa ser melhor avaliada

    O Governo Federal apresentou em setembro uma Medida Provisória sugerindo a reforma do Ensino Médio. As alterações sugeridas afetam diretamente o conteúdo e formato das aulas, além da elaboração dos vestibulares e do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Porém, a ideia não é muito bem-vista por educadores e nem pelos alunos. 

    A petropolitana Gisele Maria de Oliveira tem 19 anos e está cursando o 3º ano do Ensino Médio em um colégio estadual de Petrópolis. A estudante está pensando em prestar vestibular para as áreas de Nutrição ou Biologia e concorda que o modelo atual de ensino está defasado. Porém, apesar disso, acredita que antes de qualquer reforma, os órgãos públicos precisam ouvir os principais envolvidos e afetados por quaisquer mudanças que sejam feitas: professores e alunos. “A sala de aula precisa ser mais atrativa para conseguir reter a atenção de um maior número de estudantes. Hoje, não é o que acontece. Apenas uma minoria para e presta atenção no que o professor está dizendo”, criticou.

    Para José Pacheco, a reforma proposta inicialmente é desprovida de bom senso e vazia de fundamentação científica. “A medida recupera propostas da década de 1990, evoca iniciativas da cinzenta década de 1960 e faz lembrar o modelo da reforma Capanema, dos anos 1940, quando sugere a divisão entre clássico e científico. O MEC reconhece que o sistema faliu, mas insiste em mais do mesmo, mitigando a falência do sistema. 

    Para o professor de história Oazinguito Ferreira, a questão é que existe uma necessidade urgente e antiga por uma reforma plena do Ensino Médio, por inúmeras razões. Ele cita, por exemplo, um currículo engessado e massacrante, o que torna excludente a permanência de alunos, principalmente carentes. “Temos dados que assinalam que a metade dos que ingressam no Ensino Médio abandona pelo caminho, já o restante que permanece até o final sabe muito menos do que deveria saber, uma verdadeira exclusão”. Ele acredita ainda que estudantes de escolas privadas são mais privilegiados pelo sistema. “Enquanto os das escolas públicas tombam pelo caminho, sem qualificações e oportunidades".

    Oazinguito critica ainda que a solução para o problema não é a Medida Provisória que o governo propôs em setembro. “É preciso consenso, uma discussão ampla entre os setores políticos, profissionais e pela sociedade civil como um todo e não imposições autocráticas como essa, que podem levar as escolas a se transformar em “desertos de conhecimento”, como afirma o sociólogo Cesar Callegari.


    Projeto Independência é piloto em mudança do ensino fundamental

    Em Petrópolis, José Pacheco participou da implementação da primeira escola que adotou como inspiração o Projeto da Ponte. A ideia é, além da proposta de ensino em tempo integral, dar mais autonomia aos alunos. O educador elogiou a equipe da escola, disse que são educadores competentes e éticos. “Esta escola pode se constituir em protótipo de mudança, uma referência para outras escolas do município”, afirmou. 

    Por fim, Pacheco disse que observa a educação na cidade com otimismo: “Melhor dizendo, com esperança”, acrescentou. Ele espera ainda que o poder público acompanhe e apoie o projeto nos próximos dois ou três anos, para que novos protótipos de mudança possam surgir. “Para que as escolas possam assumir o estatuto de autonomia, com projetos sustentáveis, mostrando a possibilidade do município atingir elevados índices de desenvolvimento da educação”.


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