• Editora Record cancela parceria com Prêmio Sesc de Literatura após ‘divergências’

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  • 21/mar 19:08
    Por Julia Queiroz / Estadão

    O Grupo Editorial Record cancelou sua parceria com o Prêmio Sesc de Literatura após divergências com relação à edição de 2024. A editora já havia manifestado “extremo incômodo” no início de março, quando o Estadão revelou que indefinições, falta de diálogo, demissões e acusação de censura cercavam a tradicional premiação e colocavam em risco seu futuro.

    A Record está junto com o Sesc desde a criação do prêmio literário, em 2003. Ela é responsável pela publicação dos livros vencedores. O comunicado foi feito ao Estadão nesta quinta, 21, depois de 20 anos de parceria.

    “Encerra-se um ciclo de 20 anos, do qual o grupo tem muito orgulho e que nos trouxe um elenco admirável de novas vozes brasileiras. Diante de divergências com relação a novos caminhos do prêmio, as duas partes decidiram interromper o seu acordo. Agradecemos ao Sesc pelos ótimos anos de parceria e desejamos sucesso à nova versão do prêmio”, diz o comunicado.

    O que é o Prêmio Sesc

    O Prêmio Sesc de Literatura reconhece o trabalho de autores estreantes nos gêneros romance e contos. Uma comissão externa lê os originais e escolhe o melhor nas duas categorias. Até 2023, o livro era lançado pela Record e o Sesc Nacional organiza um circuito pelas unidades da instituição, o que ajuda na divulgação da obra e no encontro entre autores e leitores. Desde que foi criado, já revelou nomes como Rafael Gallo, mais recente vencedor do Prêmio José Saramago, Luisa Geisler e André de Leones.

    Lembre o caso

    As inscrições para a edição de 2024 do Prêmio Sesc já deviam ter sido encerradas, mas o edital sequer foi lançado. A demora é justificada, pela entidade, como necessária para que possam fazer alguns ajustes, ainda em discussão, e também porque o prêmio deve incluir uma nova categoria, de poesia, este ano.

    Segundo o Estadão apurou, tudo começou numa noite de celebração, quando o escritor e professor Airton Souza subiu ao palco de um evento comemorativo dos 20 anos do prêmio na Flip, a Festa Literária Internacional de Paraty, ao lado de outros escritores premiados, e leu um trecho de seu romance de estreia, o recém-premiado e publicado Outono de Carne Estranha.

    A obra conta a história de um relacionamento homoafetivo entre dois garimpeiros na Serra Pelada, no Pará, nos anos 1980. A partir do romance proibido, o autor narra a realidade do que foi o maior garimpo a céu aberto do mundo e mostra o preconceito e o poder do Estado no local.

    A leitura do trecho teria causado desconforto em dirigentes do Departamento Nacional do Sesc, que estavam na plateia. Enquanto o público ainda se preparava para deixar o local, funcionários teriam sido questionados sobre a decisão de fazer essa leitura em público. E o dia, que era para ter sido de festa, virou o que pessoas ligadas ao prêmio classificam como o início de seu fim.

    Depois da Flip, uma conversa interna avaliou transferir a gestão da premiação para o Polo Sociocultural Sesc Paraty e foi iniciado um estudo para reformular o edital. A mudança, segundo fontes ouvidas pelo Estadão, seria para que os organizadores tivessem mais controle do que seria premiado – evitando, assim, que livros como O Outono de Carne Estranha chegassem à final.

    À frente do Prêmio Sesc desde sua criação, em 2003, Henrique Rodrigues, que organizou a programação da entidade na Flip, foi demitido assim que voltou de férias, em janeiro. Ele chegou a testemunhar as primeiras tentativas de mudar o prêmio e foi contra as alterações.

    O Estadão apurou ainda que circulou uma correspondência oficial para todos as regionais do Sesc, que poderiam receber os premiados no Circuito dos Autores, alertando sobre conteúdo do livro Outono de Carne Estranha. Além disso, a realização do circuito também está incerta. Segundo a Record, o agendamento das viagens é feito entre janeiro e fevereiro, mas, até o início de março, os autores não haviam recebido nenhuma informação sobre a turnê.

    Em entrevista ao Estadão, publicada em 5 de março, Janaína Cunha, diretora de Programas Sociais do Departamento Nacional do Sesc, afirmou que a lisura do prêmio será mantida, e confirmou que o regulamento está passando por revisão e discussão.

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