• Ecodecálogo: Os dez mandamentos para salvar a vida neste planeta

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  • 07/05/2023 08:00
    Por Leonardo Boff

    O que mais ameaça as bases que sustentam a vida do nosso planeta é, sem dúvida, o produtivismo capitalista hoje mundialmente integrado. Na sua lógica, ele exige um crescimento e uma expansão permanente do processo produtivo, da exploração intensiva dos bens e serviços naturais, do consumo e do aumento cada vez maior e seguro dos lucros. Ele comete duas injustiças: uma ecológica, devastando todos os ecossistemas, e uma injustiça social com a acumulação absurda de riqueza em poucas corporações mundializadas e até em um pequeno número de pessoas, deixando milhões na pobreza, na miséria e na fome. O alarme ecológico e a mudança do regime climático pavimentam um caminho que poderá levar a vida humana a desaparecer da face da Terra. É urgente passarmos do DOMINUS (o ser humano senhor e dono da natureza) ao FRATER (irmão e irmã de todos, também dos seres da natureza) para garantir a perpetuidade da vida e um futuro bom para todos os humanos, a natureza incluída.

    Por estas razões publicamos este texto fundamental do franco-brasileiro Michael Lövy, professor na Sorbonne, sociólogo, grande conhecedor do Brasil e que une sociologia com ecologia, além de, sendo de tradição hebraica, comparecer como um especialista em teologia da libertação latino-americana. Inteligência brilhante e  rigor científico são marcas de sua vasta  produção, em grande parte publicada no Brasil. Temos que divulgar este decálogo, pois não encobre os problemas, desmascara as armadilhas do sistema dominante e nos faz uma séria advertência: se não mudarmos, podemos desaparecer da face da Terra. Mas suas indicações vão no sentido de o que podemos e devemos fazer já agora para salvar a vida do nosso planeta. Leonardo Boff

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    Dez mandamentos para salvar a vida neste planeta

    O autor destas notas não se julga um novo Moisés e não considera ter recebido este Ecodecálogo de Javé. Trata-se simplesmente de uma tentativa de responder, com um toque de ironia, com um texto breve, à pergunta que muitos se fazem atualmente: o que fazer? O que fazer diante da crise ecológica e da catástrofe climática?

    (i) Levarás a sério a crise ecológica. Não se trata apenas de um problema entre muitos outros, é a questão política, econômica, social e moral mais importante do século XXI. É uma questão de vida ou de morte. Nossa casa comum arde em fogo. Não há tempo a perder. Tu tens outras preocupações? Estás preocupado, com toda razão, com o preço da gasolina e do gás e te preocupas injustamente com o grande número de árabes, negros, ciganos, judeus, mexicanos e gays em teu país? Tens que modificar tuas inquietações. A crise climática é mais grave. Muito mais grave? Infinitamente pior. Trata-se da tua sobrevivência e/ou da de teus filhos e netos.

    (ii) Não adorarás os ídolos da religião capitalista: “Economia de mercado”, “Energias fósseis”, “Crescimento do PIB”, “Organização Mundial do Comércio”, “Fundo Monetário Internacional”, “Competitividade”, “Pagamento da dívida”, etc. Estes são falsos deuses, ávidos por sacrifícios humanos e responsáveis pelo aquecimento global.

    (iii) Agirás diariamente de acordo com os princípios ecológicos. Recusarás viagens de avião nas distâncias cobertas por ferrovias. Reduzirás drasticamente teu consumo de carne. Evitarás as armadilhas do consumismo. Terás consciência da interdependência de todos os seres vivos e agirás com prudência e respeito pela natureza. Mas rejeitarás as ilusões do “beija-florismo”: a crença de que a mudança ecológica resultará da soma de pequenas ações individuais.

    (iv) Apoiarás ações coletivas, por exemplo, qualquer luta ecológica concreta, em teu país e no mundo. Consoante o caso, optarás por manifestações de rua, atos de desobediência civil, ZADs [Zonas a Defender], fazer parar os oleodutos. Participarás ou apoiarás movimentos, ONGs, etc. que lutem pelas causas ecológicas, privilegiando as mais radicais.

    (v) Nunca oporás o social e o ecológico. Tentarás, por todos os meios, favorecer a convergência entre lutas sociais e ecológicas. Agirás para garantir empregos alternativos aos trabalhadores das empresas poluentes, que devem fechar. Tentarás aproximar sindicatos e movimentos ecológicos.

    (vi) Serás solidário, militante e/ou financeiramente, com os refugiados do clima e as vítimas de catástrofes ecológicas. Exigirás que as fronteiras de teu país lhes sejam abertas e que os países ricos do Norte indenizem os países pobres do Sul pelos danos causados pelas mudanças climáticas.

    (vii) Lutarás sem trégua contra os políticos ecocidas e/ou negacionistas do clima, os Donald Trump, Jair Bolsonaro, Scott Morrison e cia. Procure  encontrar  os meios mais efetivos  para desalojá-los, trocá-los, neutralizá-los.

    (viii) Rejeitarás o teu apoio àqueles que invocam o nome da ecologia em vão. Ou seja, os políticos que fazem belos discursos, mas não agem contra as emissões e os combustíveis fósseis. Ou que propõem falsas soluções como os “direitos de emissão”, os “mecanismos de compensação” e outras mistificações do capitalismo verde e do greenwashing.

    (ix) Combaterás, com os meios mais adequados e eficazes as empresas da oligarquia fóssil, ou seja, o enorme complexo econômico-financeiro-político-militar ligado às energias fósseis: petróleo, carvão, gás. Lutarás por sua radical transformação e pela criação de um serviço público de energia, resolutamente orientado para as energias renováveis (solar, eólica, hídrica, etc.) e capaz de oferecer serviços gratuitos às camadas populares.

    (x) Sabendo que o problema é sistêmico e que, consequentemente, nenhuma solução verdadeira será possível no marco do capitalismo, participarás, de uma forma ou de outra, dos partidos ou movimentos que propõem alternativas anticapitalistas: ecossocialismo, ecologia social, decrescimento, etc.

    *Michael Löwy é diretor de pesquisa em sociologia no Centre nationale de la recherche scientifique (CNRS). Autor, entre outros livros, de O que é o ecossocialismo (Cortez).

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