É para inglês ver
Neste tempo de isolamento social, tenho andado bem quietinha no meu canto interior e conversado muito com os meus botões. Sim, com meus botões e meu gatinho (pet). É o jeito, pois tudo que se diz parece virar uma guerra! Sou da paz. E refletindo acerca dos ânimos tão alterados, lembrei-me de uma expressão idiomática muito brasileira: É para inglês ver!
Na verdade, ouvi de uma pessoa (via WhatsApp) o seguinte conselho: “você não precisa SER, basta fingir que é”. Será? Aproveitando a proximidade da data, ainda somos escravos? Da aparência?
Existem diferentes versões para a origem da expressão, tipicamente luso-brasileira. Acredito que a mais verdadeira seja esta relacionada à proibição do tráfico de escravos, imposta pela Inglaterra.
A partir de 1807, os britânicos, “cansados” de monopolizarem o tráfico de negros africanos por mais de duzentos anos, decidiram abolir a escravidão em suas terras e colônias. Em seguida, começaram a liderar os movimentos antiescravistas, proibindo tal prática a todos os países com os quais mantinham comércio. Dizem as más línguas (carece de fontes confiáveis) que a motivação para tal proibição foi financeira, pois concluíram que o custo do trabalho escravo era mais elevado do que o trabalho livre. A escravidão foi totalmente abolida em terras inglesas após 1833.
Desde 1808, o Brasil matinha estreitos laços econômicos com a Inglaterra que financiou a vinda da Corte Portuguesa para cá. Além disso, nosso país, embora independente desde 1822, dependia economicamente dos britânicos, pois eram nossos maiores compradores de café e fornecedores dos produtos manufaturados. Tirando proveito de sua supremacia marítima, em 1826, os ingleses exigiram que o Brasil assinasse um tratado de extinção do tráfico de escravos no prazo de três anos. Isso não aconteceu. A ameaça de rompimento das relações comerciais causou efeito.
Os britânicos eram os principais banqueiros do mundo naquela época. Concediam empréstimos e financiavam muitos produtores de café e estimulavam a industrialização do país. Para não contrariar os ingleses, o Governo Regencial — que administrava o país em razão da menoridade do príncipe Dom Pedro II, — promulgou a Lei Feijó, em 1831, declarando livres os africanos desembarcados em terras brasileiras. Como a lei não seria cumprida, pois os proprietários de escravos não abririam mão dessa força de trabalho, a lei não iria “pegar”, o comentário geral era que a lei só existia “para inglês ver”.
A partir do fato, a expressão “para inglês ver” passou a representar as leis que só existem no papel ou as ações feitas apenas para preservar as aparências, para enganar os olhos. Ao longo desses duzentos anos, permanecemos fazendo ações populares, criando leis inúteis ou que não “pegam”, maquiando cidades, construindo estádios sem público, pontes para o nada… Uma infinitude de “realizações” somente “para inglês ver”. Os britânicos de hoje não estão preocupados com nossos escravos…
Sim! Nossos escravos de hoje são todos os trabalhadores, os pagadores de impostos, os empresários e empreendedores que lutam para produzir bens e serviços e geram empregos… Enquanto isso, na Sala da Justiça (plagiando um famoso desenho animado) e na Casa das Leis, muitas ações são feitas apenas para “o mundo ver”, ou para ajudar o amiguinho, ou para calar a boca do povo, ou para autobenefício, não mais para enganar os ingleses. Não mais “para inglês ver!”