E não é que foi golpe?
Golpe mesmo é quando um corpo se choca contra outro, provocando impacto. Como, digamos, urnas eleitorais que se abatem contra um partido político. As eleições de 2016 golpearam o Partido dos Trabalhadores ao ponto do nocaute. Soco no estômago da arrogância, martelada no dedo da presunção, tapa na cara do messianismo – golpes do eleitor nas características cultivadas pelo PT há quase duas décadas.
Esse golpe que reduz o PT a uma certa Idade da Pedra decorreu de seus próprios erros e corrupção. Foram escancarados pelo fracasso econômico que remeteu as famílias brasileiras à Idade do Pânico da falta de salário e esperança. E escancarados pela lanterna de Diógenes que acabou sendo a Operação Lava Jato que, com suas operações irmãs, flagrou tantos ex-arautos da ética na política com a mão grande no caixa três, dólares na cueca e triplex no Guarujá.
A falta de disposição autocrítica foi duramente golpeada. Porque o “discurso do golpe” ou a “narrativa do golpe” – e aqui, falso golpe, porque suposto e inventado “golpe parlamentar”- que tentaram empurrar goela abaixo do mundo, de forma repetitiva, irritante e patética, nada mais era do que a falta de humildade para reconhecer os próprios erros, precondição para tentar reencontrar o caminho da virtude perdida. Mas quando o sujeito não reconhece a existência do câncer, do câncer ele não trata. Prefere se iludir tomando dorflex ao invés de fazer a necessária extração do tumor.
A suja campanha nós-contra-eles que o PT promoveu a partir de 2014 para eleger Dilma e depois para mantê-la a qualquer custo, custou caro aos nervos do país. Rachou famílias ao meio, fissurou amizades e enraiveceu cidadãos quando falou, pela voz de conhecida filósofa, que odiava a classe média. Jogou no lixo o crédito infinito que teve com a juventude. Fez gente sensata embarcar em insanas radicalizações, como Wagner Moura (anti- impeachment) recusar novo trabalho com José Padilha, o diretor (pró-impeachment) que o lançou ao estrelato em Tropa de Elite. Moura teria declarado que não viveria na série que a Netflix fará sobre a Lava-Jato, um “mau-caráter”: o juiz Sérgio Moro, vejam só. Justo Moura que, dirigido por Padilha, brilhou como o traficante Pablo Escobar. O xingamento de Moura a Moro tem todo jeito de lenda virtual, e espero que o grande ator volte a trabalhar com Padilha, pois juntos se provaram time de talento invencível. Mas, verdade ou lenda, o episódio, porque crível, exemplifica a tensão do radicalismo estéril a que fomos expostos.
O retrocesso do PT confirma minha previsão de 2002 – “Se Lula perder esta eleição, atrasa a esquerda 10 anos, mas se ganhar ele a atrasa 50”, e remete à necessidade de coragem no PT e na esquerda em geral, para a autocrítica que leve à mudança que o futuro demanda. Porque, sim, os oportunistas de direita se aproveitarão do momento em que é necessário equilibrar as contas públicas, para implementar políticas de privilégio ao grande capital. O que torna imprescindível que haja contraponto decente, à esquerda. É necessário e democrático que renasça das cinzas uma esquerda respeitável. Seria hora de, digamos, Gabeira, Heloísa Helena, os irmãos Benjamin, Marina Silva, Tarso Genro e Olívio Dutra, por exemplo, se sentarem para conversar sobre a necessidade de reconstrução de uma esquerda ética, digna, moderna, democrática e atuante. Não sectária. Não corporativa. Sem donos. Sem crustáceos… Sem golpes.
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