• E aí moça, eu posso olhar seu carro?

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  • 18/08/2023 08:00
    Por Juliana Ziehe

    Quem nunca estacionou seu veículo na Rua Irmãos D’Ângelo e foi abordado por um flanelinha: “E aí moça, eu posso olhar seu carro?” O fato em tela não é um episódio isolado no centro de Petrópolis, mas, principalmente, nos pontos turísticos da cidade como é o caso dos arredores do Palácio Quitandinha.

    Particularmente, sempre me senti incomodada com a abordagem de flanelinhas, motivo pelo qual nunca contribuí com qualquer quantia quando interpelada por eles. Os motivos são vários. Primeiramente, porque não considero o flanelinha um guardador de veículos ou prestador de serviço. Aliás, nunca tive notícia de uma pessoa que tenha processado civilmente um flanelinha na hipótese de seu automóvel ter sido danificado ou furtado na via pública, sob a alegação de ter firmado um contrato verbal com ele. Além do mais, nunca enxerguei com bons olhos a cobrança de valores para estacionar na via pública, salvo, é claro, a cobrança de estacionamento regularizado pela Prefeitura ou outro órgão da Administração Pública. Por fim, sempre tive em mente que pagar o flanelinha para “olhar meu carro”, incentivaria a continuidade dessa prática da qual não compactuo. E aqui o raciocínio é simples: só existe flanelinha porque há quem pague!

    Todavia, essa discricionariedade em não pagar o valor cobrado pelo flanelinha nem sempre é o que acontece no caso concreto. Isso porque, diversas pessoas narram que são coagidas por flanelinhas no caso de não pagamento prévio. É o famoso: “Se não pagar, então você vai ver o que vai acontecer com o seu carro.” E aqui a situação muda de patamar. O constrangimento por meio de uma grave ameaça faz surgir o crime de extorsão, previsto no art. 158 do Código Penal. O dispositivo em epígrafe comina uma pena de 4 a 10 anos de reclusão para quem constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem a indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa.

    Além do mais, ainda que não seja o caso de Petrópolis, em outros municípios do estado do Rio de Janeiro a cobrança por estacionamento nas vias públicas está associada a grupos de milícia, de modo que o constrangimento sobre o cidadão é ainda maior. Em alguns casos, os flanelinhas são tão ousados que realizam a delimitação das vagas com cones e caixotes, ocupando o espaço público como se fossem seus. Todos esses fatos, somados à omissão do poder público na atividade fiscalizatória e preventiva, contribuem ainda mais para a sensação de insegurança da população.

    Dessa forma, a pergunta que se coloca é: O que fazer diante da abordagem de um flanelinha? A resposta é: Depende. Em um primeiro momento, poderíamos cogitar a contravenção penal conhecida como exercício ilegal da profissão, prevista no art. 47 do Decreto Lei 3.688/41. Isso porque, a função de guardador de veículos é disciplinada pela Lei 6.242/75, que exige o registro do profissional na Delegacia Regional do Trabalho do Ministério do Trabalho. Sem prejuízo, é claro, de outros requisitos impostos por normativas municipais ou estaduais. Dessa forma, como o flanelinha não cumpriria o requisito legal para o exercício da profissão, poderia, em princípio, responder pela contravenção penal em comento. No entanto, ainda que se admitida essa possibilidade, a medida teria pouca eficácia prática, pois bastaria o autor assinar o termo circunstanciado na delegacia de polícia para que fosse liberado.

    De toda sorte, a tentativa de lidar com o problema na esfera criminal não tem obtido sucesso, pois os Tribunais Superiores consideram atípica a função de guardadores de automóveis sem o devido registro. De acordo com o Superior Tribunal de Justiça, o art. 47 da Lei de Contravenções Penais tem por objetivo punir quem exerce profissão que exija habilidade técnica ou conhecimento especializado. Para o STJ, a simples necessidade de um cadastro nos órgãos públicos não seria suficiente para qualificar a função de guardador de veículos como de conhecimento técnico, faltando, no caso em análise, um elemento essencial do tipo penal. Por esse motivo, a falta desse cadastro não ensejaria na contravenção de exercício ilegal da profissão. Na prática, significa dizer que o flanelinha até poderia ser conduzido pela Polícia pela contravenção de exercício ilegal da profissão, mas quando o procedimento chegasse ao judiciário, ele seria inocentado pela atipicidade da conduta.

    Contudo, conforme já mencionado anteriormente, na hipótese do flanelinha constranger, ameaçar ou obrigar alguém ao pagamento de qualquer valor como condição para estacionar o veículo na via pública, aí sim é possível atribuir-lhe o crime de extorsão. Nesse caso, é importante que a vítima comunique imediatamente o fato para um agente da segurança pública – Polícia Militar, Polícia Civil, Guarda Municipal, etc, que poderá prender o flanelinha em flagrante delito. De todo modo, é fundamental que se mantenha um serviço de fiscalização e prevenção desse tipo de crime no município, com o objetivo de garantir a sensação de segurança da população.

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