É a política, meu caro!
Em meu artigo anterior, mencionei o tripé em que se apoiou James Carville, estrategista-chefe da campanha presidencial vitoriosa de Bill Clinton contra George Bush. Fiz então uma adaptação desses três pontos de apoio ao caso brasileiro, que eram os seguintes: (a) Mudar o regime político ou mais do mesmo; (b) É a constituição, meu caro; e (c) Não se esqueça da desigualdade.
O item (a) sobre mudar o regime ou ter mais do mesmo, finalmente, começou a ser levado a sério pelos jornais de circulação nacional. Articulistas como Merval Pereira começaram a pôr em letra de forma as sérias deficiências do presidencialismo de coalizão, reconhecidas até pelo cientista político Sergio Abranches, que lhe deu o rótulo. Virou, isso sim, presidencialismo de colisão. Paralelamente às dificuldades do próprio Bolsonaro em compor uma base parlamentar, chegar a bom termo num parlamento com interesses conflitantes em que se debatem 25 partidos com representação, não é nada fácil.
Outro complicador é o risco de mais um impeachment face às denúncias do ex-ministro Sergio Moro contra o atual presidente. Os contatos de Bolsonaro com o centrão, o velho toma-lá-dá-cá, têm jeito de blindagem contra a perda do mandato. Embora não seja óbvio que o processo avance, o fato de haver investigações preocupa. Seria o terceiro impedimento de um presidente num período histórico de menos de 30 anos. Numa indústria, uma máquina que produz peças defeituosas seguidamente, acaba sendo trocada ou consertada. No atual panorama político, o sinal vermelho já está acesso indicando que o sistema político está falido mesmo, como afirma o senador Tasso Jereissati.
E aqui entramos no item (b) que nos remete à constituição de 1988. Se houve um vaticínio correto foi o do ex-presidente Sarney quando disse que o Brasil seria ingovernável com ela. Roberto Campos foi muito duro em seu veredito sobre a Carta de 1988: liberticida no econômico e utópica no social. Curiosamente, afirma ter sido saudavelmente libertária no político. Aqui, ele entra em divergência com Sarney que teve faro político mais aguçado ao pressentir que o país ficaria à deriva. A frequência com que estamos recorrendo a impeachments comprova. Ou seja, a base política emperrada travando o bom desempenho da economia. O presidencialismo impede o ajuste prévio entre o executivo e o parlamento, coisa que o parlamentarismo resolve antes de o governo tomar posse. Jogamos no lixo o que funcionou a contento até 1889.
Por fim, o item (c), que nos conclama a não esquecer a desigualdade. Dito nesses termos, até parece que o Brasil nunca levou a sério o combate à desigualdade. Estamos diante de uma daquelas situações em que a falência de nossa memória histórica mostra a cara. Lutar contra a desigualdade exige visão de longo prazo, ou seja, requer décadas de trabalho persistente como o realizado por Dom Pedro II e a Princesa Isabel na luta pela abolição.
Quem atinge a condição de ser humano livre dá um salto gigantesco na redução da desigualdade, inclusive no plano financeiro, por passar a receber pelo trabalho realizado. A luta diuturna bem sucedida pelas alforrias, inclusive através de fundos públicos como o criado pela Lei do Ventre Livre de 1871; a possibilidade de os escravos abrirem contas na Caixa Econômica, em que podiam poupar, inclusive para comprar a própria liberdade; e, finalmente, a Lei Áurea, que libertou os 20% de descendentes de africanos ainda escravos se somaram no sentido de reduzir significativamente a desigualdade.
A luta contra a desigualdade, entretanto, deixou de ser prioridade com a chegada da república. O Brasil é hoje um dos países mais desiguais do mundo, ao que se soma corrupção sistêmica e a falta aguda de representatividade de nossos políticos. Estranhamente, nos tornamos um País em que o passado é que pode iluminar o futuro que se perdeu, desde 1889, em um arcabouço político maligno. É a política, meu caro!