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  • 10/12/2023 08:00
    Por Ataualpa A. P. Filho

    O silêncio guarda dor. Não é mistério, mas ministério. Entre as funções ministeriais dele, encontra-se a contenção dos gemidos do padecimento, das feridas não cicatrizadas. Para quem o viver é um processo de calejamento, o silenciar a dor é uma tarefa árdua, pois exige resignação, resiliência.

    Portar. Suportar. Resistir. Carregar calvariamente os fardos impostos pelo destino requer um esforço que só pode ser mantido pela união de forças emanadas por corações e mentes. Fé e esperança não podem faltar quando há o desejo de ser feliz. A felicidade, por sua vez, é um bem coletivo, ninguém a mantém solitariamente.

    Movido por uma satisfação imensurável por estar envolvido em um projeto para a elaboração de um documentário, fui a Baependi (MG). Eu e Marta embarcamos bem amparados. Tão confortavelmente amparados a ponto de diluir em orações as tensões provocadas pelas fortes chuvas que caíram na estrada quando retornávamos. Fomos visitar o Santuário de Nossa Senhora da Conceição da Beata Nhá Chica.

    Quando chegamos lá, vimos algumas urnas em que os fiéis depositam pedidos, súplicas. No silêncio, rogam, imploram, impulsionados na esperança de um milagre. Ao avistar as urnas repletas de anotações, veio à mente uma exclamação:

     – Quantas dores anônimas!…

    Há uma parcela da população que carrega um silêncio dolorido. Apesar do sofrimento ser inerente à natureza humana, é preciso separar a dor que se concentra na alma dessa que sentimos na pele. E aqui cabe mencionar o que disse Platão: “a dor não surge apenas por estimulação periférica, mas também por uma experiência da alma, que reside no coração”.

    O “sentir na pele”, o “sentir na alma” dimensionam o humano. A insensibilidade irracionaliza-o. O homem petrifica-se à medida que perde a capacidade de amar. E, quando se tem o amor à flor da pele a dor do outro também é sentida.

    No santuário citado, há um livro para registro de graças alcançadas, que revela uma face da gratidão. Várias pessoas voltam para agradecer. Esse gesto foi um dos pontos marcantes da nossa ida a Baependi. Vou lhe contar:

    No sábado (04/12), saímos de Petrópolis em torno das sete horas. Antes de entrar no veículo que nos levara à cidade mineira, uma freira, disse:

    – Estas flores, vou levar pra Nhá Chica…

    O buquê estava lindo! Passou a noite na água do vaso que ela carregava. Havia um cuidado para que as flores não murchassem. Confesso que tive o seguinte pensamento: “essas flores não vão chegar tão vivas assim depois de uma viagem neste calor.”

    Chegamos a Baependi por volta do meio dia. Fomos direto ao santuário. Depois almoçamos. E, em seguida, tivemos a honra de fazer uma visita guiada pelo reitor do santuário. Na sequência, ouvimos uma bela explanação sobre o processo de beatificação de Francisca de Paula de Jesus, carinhosamente conhecida como Nhá Chica. Depois voltamos ao local em que se encontra o acervo dela. As horas voaram. Fizemos um lanche rápido e fomos direto participar da missa das 19:00 horas.

    Após a celebração, houve uma novena. Nesta, as intenções foram voltadas para as vocações religiosas. As freiras que acompanhamos não esperavam uma recepção tão calorosa naquele belo santuário. Ficaram nos primeiros bancos. Receberam as bênçãos dos presentes. Ao final, houve uma procissão com flores que foram colocadas aos pés da imagem de Nhá Chica.

    Aquele buquê que saiu de Petrópolis foi parar solenemente aos pés da Beata a ponto de ganhar destaque no Instagram do santuário. As flores estavam vivas. Carregavam um agradecimento silencioso…

    A simplicidade floresce até no inesperado. Não saímos de Petrópolis com a intenção de participar de uma celebração tão significativa. Ainda temos muito que aprender sobre os frutos da fé. Às vezes, a Ciência se curva diante do impossível para aceitar a concepção de milagre.

    No plano da fé, todo milagre ocorre com a intervenção direta de Deus. Sabemos que nem os santos, nem os beatos fazem milagres. Pedir a intercessão deles diante do Criador é um gesto de humildade. É necessário  reconhecer a própria insignificância. Deus não precisa dos homens. Nós é que precisamos reconhecer a dimensão infinita dEle. Deus ouve o anonimato. O Bem prevalecerá, porque a verdade liberta.

    Neste período natalino, marcado pelas ambições das guerras, vale a pena refletir sobre as palavras do saudoso Padre Ítalo Coelho, aquele que recebeu, no morro do Vidigal (RJ), o anel do então Papa João Paulo II, hoje São João Paulo II:

    “Na fragilidade de uma noite, na fragilidade de uma mulher, na fragilidade de uma criança, Deus se revelou ao mundo”.

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