Domingo da Misericórdia
Estamos no Segundo Domingo da Páscoa, que São João Paulo ll quis intitular Domingo da Divina Misericórdia! Isto aconteceu em coincidência com a canonização de Faustina Kowalska, humilde Irmã polonesa, nascida em 1905 e falecida em 1938, mensageira zelosa de Jesus Misericordioso. Na realidade a Misericórdia é o núcleo da mensagem evangélica, é o próprio nome de Deus, o rosto com o qual Ele se revelou na Antiga Aliança e plenamente em Jesus Cristo, Encarnação do Amor Criador e Redentor. Este amor de misericórdia ilumina também o rosto da Igreja, e manifesta-se quer mediante os Sacramentos, em particular o Sacramento da Reconciliação ( Confissão ), quer com as obras de caridade, comunitárias e individuais. Tudo o que a Igreja diz e realiza, manifesta a misericórdia que Deus sente pelo homem, portanto, por nós. Da misericórdia divina, que pacifica o coração, brota depois a paz autêntica no mundo, a paz entre os povos, culturas e religiões diversas.
Com a celebração do presente domingo da Misericórdia concluímos a Oitava de Páscoa, ou seja, esta semana que a Igreja nos convidou a considerar como um dia só: ”O dia que o Senhor fez”.
Nestes dias de Páscoa, a Liturgia nos fez assistir ao nascimento da fé pascal. Mediante a narração das aparições do Ressuscitado, vimos renascer nos discípulos de Jesus, desanimados e dispersos, a fé e o amor para com Ele: a Ressurreição gerou a fé.
Cristo ressuscitado é a razão de ser de nossa existência. Celebrar essa história é motivo de grande alegria para os cristãos.
O Evangelho ( Jo 20, 19-31) inicia falando do primeiro dia da semana, isto é, o Dia por excelência, pois foi o dia da Ressurreição do Senhor; relata a aparição de Jesus Misericordioso aos seus discípulos no mesmo dia da sua Ressurreição, no qual derramou sobre eles e lhes confiou o tesouro da sua Paz e dos seus Sacramentos, e confirmou a nossa fé e a fé de todos os “Tomés” do mundo, que estão cheios de dúvidas e com ânsias de ter certezas.
“Ao anoitecer daquele dia, o primeiro da semana” ( Jo 20,19), Jesus veio confortar os amigos mais íntimos: A paz esteja convosco, disse-lhes. Depois mostrou-lhes as mãos e o lado. Nesta ocasião, Tomé não estava com os demais Apóstolos; não pôde, pois, ver o Senhor nem ouvir as suas palavras consoladoras.
Imagino os Apóstolos cheios de júbilo procurando Tomé para contar-lhe que tinham visto o Senhor! Mal o encontraram, disseram-lhe: Vimos o Senhor! Tomé continuava profundamente abalado com a crucifixão e a morte do Mestre; quer ver para crer! Acredito que os Apóstolos devem ter-lhe repetido, de mil maneiras diferentes, a mesma verdade que era agora a sua alegria e a sua certeza: Vimos o Senhor!
Hoje nós temos que fazer o mesmo! Para muitos homens e para muitas mulheres, é como se Cristo estivesse morto, porque pouco significa para eles e quase não conta nas suas vidas. A nossa fé em Cristo ressuscitado anima-nos a ir ao encontro dessas pessoas e a dizer-lhes, de mil maneiras diferentes, que Cristo vive, que estamos unidos a Ele pela fé e permanecemos com Ele todos os dias; que Ele orienta e dá sentido à nossa vida.
Desta maneira, cumprindo essa exigência da fé que é difundi-la com o exemplo e a palavra, contribuímos pessoalmente para a edificação da Igreja, como aqueles primeiros cristãos de que falam os Atos dos Apóstolos: “Cada vez mais aumentava o número dos homens e mulheres que acreditavam no Senhor” (At. 5,14).
Oito dias depois Jesus apareceu aos Apóstolos novamente e agora Tomé também estava; Jesus disse: “A paz esteja convosco. Depois disse a Tomé: Mete aqui o teu dedo e vê as minhas mãos…, não sejas incrédulo, mas fiel (Jo 20,26-27).
A resposta de Tomé é um ato de fé, de adoração e de entrega sem limites: Meu Senhor e meu Deus! A fé do Apóstolo brota não tanto da evidência de Jesus, mas de uma dor imensa. O que o levou a adoração e ao retorno ao apostolado não são tanto as provas como o amor. Diz a Tradição que o Apóstolo Tomé morreu mártir pela fé no seu Senhor; consumiu a vida a seu serviço.
As dúvidas de Tomé viriam a servir para confirmar a fé dos que mais tarde haviam de crer n’Ele. Comenta São Gregório Magno: “Porventura pensais que foi um simples acaso que aquele discípulo escolhido estivesse ausente, e que depois, ao voltar, ouvisse relatar a aparição e, ao ouvir, duvidasse, e, duvidando, apalpasse, e, apalpando acreditasse? Não foi por acaso, mas por disposição divina que isso aconteceu. A divina clemência agiu de modo admirável quando este discípulo que duvidava tocou as feridas das carnes do seu Mestre, pois assim curava em nós as chagas da incredulidade… Foi assim, duvidando e tocando, que o discípulo se tornou testemunha da verdadeira ressurreição”.
Peçamos ao Senhor que aumente em nós a fé, pois se a nossa fé for firme, também haverá muitos que se apoiarão nela.
A virtude da fé é a que nos dá a verdadeira dimensão dos acontecimentos e a que nos permite julgar retamente todas as coisas. Somente com a luz da fé e a meditação da palavra divina é que é possível reconhecer Deus sempre e por toda a parte, esse Deus em quem vivemos e nos movemos e existimos (At 17,28).
Meu Senhor e meu Deus! Estas palavras têm servido de jaculatória a muitos cristãos, e como ato de fé na presença real de Jesus Cristo na Eucaristia, quando se passa diante de um Sacrário ou no momento da Consagração na Missa.
A Ressurreição do Senhor é um apelo para que manifestemos com a nossa vida que Ele vive. As obras do cristão devem ser fruto e manifestação de sua fé em Cristo. Hoje também o Senhor quer que o mundo, a rua, o trabalho, as famílias sejam veículo para a transmissão da fé. Pois, a fé na Ressurreição de Cristo é a verdade fundamental da nossa salvação. “Se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e também é vã a vossa fé “ ( 1Cor 15, 14 ).
Também o texto de 1Pd 1, 3 – 9, segunda leitura de hoje, nos fala da fé, e é justamente São Pedro que escreve, cheio de entusiasmo espiritual, indicando aos recém-batizados as razões da sua esperança e da sua alegria. Interessante observar que nesta passagem, situada na parte inicial da sua Primeira Carta, Pedro exprime-se não no modo exortativo, mas indicativo. De fato, escreve: “Isto vos enche de alegria”; e acrescenta: “Vós amais Jesus Cristo sem O terdes conhecido, e, como n’Ele acreditais sem O verdes ainda, estais cheios de alegria indescritível e plena de glória, por irdes alcançar o fim da vossa fé: a salvação das vossas almas” (1Pd 1, 6.8-9 ). Está no indicativo, porque existe uma nova realidade, gerada pela Ressurreição de Cristo, uma realidade que nos é acessível pela fé. “Esta é uma obra admirável” – diz o Salmo Sl 117 ( 118), 23 – “que o Senhor realizou aos nossos olhos”, os olhos da fé.
A fé em Cristo era a força que congregava os primitivos cristãos numa coesão perfeita de sentimentos e de vida: “A multidão dos que abraçavam a fé tinha um só coração e uma só alma” (At. 4,32). Era uma fé tão arraigada que os levava a renunciar, voluntariamente, aos próprios bens, para colocá-los à disposição dos mais necessitados, considerados verdadeiramente irmãos em Cristo. É esta fé que hoje é tão escassa; para muitos que dizem ser crente, a fé não exerce influência alguma nos seus costumes nem na sua vida. Um cristianismo assim, não convence nem converte o mundo. É preciso voltar a acomodar a própria fé ao exemplo da Igreja primitiva; é preciso pedir a Deus uma fé profunda, pois que, no poder da fé, está a certeza da vitória dos cristãos. “Esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé! Quem é que vence o mundo senão Aquele que crê que Jesus é Filho de Deus?” ( 1 Jo 5,4-5).
Oito dias depois da Páscoa, os discípulos estavam em casa quando Jesus veio, estando fechadas as portas, parou no meio deles e disse: “A paz esteja convosco!” Também agora, na nossa assembleia, Jesus vem em nosso meio e nos dá sua paz. Nós, como Tomé, O reconhecemos como nosso Senhor e nosso Deus. Rezemos para que Ele faça de nós uma verdadeira comunidade reunida em Seu nome.
Como a Irmã Faustina, São João Paulo ll fez-se por sua vez Apóstolo da Misericórdia Divina. Na noite do inesquecível sábado, 2 de abril de 2005, quando fechou os olhos para este mundo, era precisamente a vigília do segundo Domingo de Páscoa, e muitos notaram a singular coincidência, que unia em si a dimensão mariana o primeiro sábado do mês e a da Misericórdia Divina. De fato, o seu longo pontificado tem, aqui, o seu ápice; toda a sua missão ao serviço da verdade sobre Deus e sobre o homem e da paz no mundo resume-se neste anúncio, como ele mesmo disse em Cracóvia, em 2002: “Fora da misericórdia de Deus não há qualquer outra fonte de esperança para os seres humanos”. A sua mensagem, como a de Santa Faustina, reconduz, portanto, ao rosto de Cristo, Revelação suprema da Misericórdia de Deus. Contemplar constantemente Aquele Rosto: esta é a herança que Ele nos deixou, e que nós, com alegria, acolhemos e fazemos nossa.
Recomendamos cada um de vocês, cada família, à proteção celeste de Maria Santíssima, Mãe de Misericórdia. Confiamos-lhe a grande causa da paz no mundo, para que a Misericórdia Divina realize o que é impossível unicamente às forças humanas, e infunda nos corações a coragem do diálogo e da reconciliação.
Mons. José Maria Pereira