Dívida pública e crise do capital
Um dos mitos insustentáveis nutridos pelo pensamento liberal afirma que a dívida pública é um problema característico de governos perdulários, que gastam mais do que arrecadam etc. Mas isso não passa de um reducionismo. A crise da dívida pública, sobretudo em países de capitalismo periférico como o Brasil, está associada aos efeitos da crise sistêmica global, que chega à superfície ora como crise imobiliária, ora como crise financeira, e, atualmente, como crise do endividamento governamental. Ou seja, um conjunto de crises específicas contido no corpo maior da crise global do capital.
EUA e Japão, por exemplo, países centrais do capitalismo, convivem com déficit público de 99,5% e 200%, respectivamente, num nível de endividamento que está muito além das recomendações técnicas que eles mesmos criaram. Mas em tempos de normalidade, estes países não tem grandes dificuldades para rolar esses débitos. Diferente do caso brasileiro, que no entanto, tem-se utilizado destas premissas para mirar num alvo objetivando outro. Neste sentido, o governo ilegítimo começa a promover o desmanche do Estado e do serviço público sob o falso argumento de que é necessário um ajuste estrutural capaz de, nas próprias palavras do presidente usurpador, “destravar” o Brasil, tornando-o mais competitivo, estancando o déficit público e possibilitando que o capital torne a se reproduzir livremente.
Na linguagem dos trabalhadores, ajuste estrutural significa a luta aberta do capital contra o trabalho, a redução de salários, reforma previdenciária regressiva, corte nos gastos públicos, cortes de verbas na área social, redução e precariedade dos serviços públicos e intensificação da jornada de trabalho. Na linguagem burguesa, não passa de eufemismo para fazer recair sobre os ombros da classe trabalhadora o ônus da crise.
A crise sistêmica está em curso em escala mundial e não só no Brasil, apesar da manipulação diária operada pelos meios de comunicação. A grande imprensa busca cotidianamente confundir os trabalhadores, tentando dar uma aparência de normalidade e recuperação da economia, mas a realidade tem sido bem mais dura que as miragens plantadas pela mídia.
Vivemos uma crise de dimensões históricas, em função de sua profundidade e de um conjunto de originalidades que esta carrega em seu bojo. Este fato ainda não foi percebido pela opinião pública, mas tem sido manipulado pelas mentes pouco dispostas à reflexão e moldadas pelo fundamentalismo neoliberal, que os leva a operar o que há de mais atrasado e impopular quando se trata de salvar o próprio bolso. Compreender isso é tão necessário para desvendar a real causa de nossos problemas como também para superá-los.