• Discos históricos da música brasileira completam 50 anos

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  • 22/05/2022 08:05
    Por Julio Maria / Estadão

    Afinal, 1972 foi o quê? Uma explosão criativa explicada por alguma posição dos astros? Uma inspiração coletiva contraída pelos ares do pós Woodstock? Ou um conjunto de ideias saídas depois de oito anos de vigias e exílios forçados pelos militares? 1972 pode ter sido tudo isso e outras coisas ao mesmo tempo, um mistério que só nos instiga a visita a ele pelas memórias de quem estava lá. Cinquenta anos depois, seria possível entender um pouco mais sobre o que fez com que todos aqueles discos eternos – Clube da Esquina, de Milton e Lô Borges; Acabou Chorare, dos Novos Baianos; Expresso 2222, de Gilberto Gil; Transa, de Caetano Veloso; e A Dança da Solidão, de Paulinho da Viola, sem falar em outros como o Álbum da Cadeira, de Elis Regina, ou Ben, de Jorge Benjor – tivessem o desplante de virem ao mundo no mesmo e escandaloso ano de 1972?

    São álbuns notáveis e considerados dos melhores que o País já produziu, mas um outro traço torna essa ilha mais desafiadora. Ao contrário de outras fendas abertas no tempo, como a de 1959, quando o jazz explodiu suas próprias estruturas com Kind of Blue, de Miles Davis; Mingus Ah Um, de Charles Mingus; The Shape of Jazz to Come, de Ornette Coleman; e Time Out, de Dave Brubeck; ou a de 1967, quando o espírito de um rock and roll curtido no ácido revelou Sargent Pepper’s Lonely Hearts Club Band, dos Beatles; Axis: Bold as Love e Are You Experienced, de Jimi Hendrix; Disraeli Gears, do Cream; e a estreia dos Doors, não havia nenhum código que ligasse os álbuns brasileiros. Mesmo criados sob o mesmo cheiro da morte, com Emílio Garrastazu Medici esticando a corda da ditadura, esses discos, para além de responderem aos estímulos de um tempo brutal, rompiam com ele para criar cada qual seu lugar de fuga imaginário e apontar direções singulares.

    “São todos eles um grito de liberdade”, diz o crítico Tárik de Souza, um dos mais respeitados no País e atuante, à época, como editor de música da revista Veja. Ele lembra que a indústria do disco funcionava a todo vapor e a MPB dava sinais de vitalidade nos horários nobres das TVs mesmo com o recente fim da Era dos Festivais. Mas a longevidade do período militar, que não dava sinais de arrefecimento, era exaustiva e os artistas – dois deles, Gil e Caetano, voltados do exílio – já não se lançavam em voos camicases. A liberdade declarada em 1972, à qual se refere Tárik, não era pelo grito, mas por uma força que o jornalista define assim: “A cultura se impunha com esses discos pelo poder da criação. Foi esta a resposta à mediocridade da ditadura”.

    Nelson Motta também via tudo de sua posição de produtor e futuro crítico musical do jornal O Globo. “Que safra, hein?” De todos os álbuns, ele diz que Acabou Chorare, dos Novos Baianos, foi o que teve a maior repercussão. Os outros, diz, por mais cultuados que se tornassem, não chegaram às pessoas com a mesma força midiática. “Besta é Tu tocava o dia inteiro. As músicas eram alegres, jovens e brasileiríssimas. Os outros eram discos de sucesso restrito e não tinham hits de rádio, apesar do prestígio nas rodas musicais.”

    Havia um terreno para que aquele sistema florescesse: “O público estava ansioso por um rock brasileiro depois do Woodstock de 1969 e os Novos Baianos eram rock, mas também samba e choro”, diz Nelson.

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