• Dia Internacional da Mulher: os desafios para conquistar espaço e respeito

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  • 08/03/2020 08:00

    Há 50 anos, a Organização das Nações Unidas (ONU) oficializou o oito de março como o Dia Internacional da Mulher. A data, além de ser um momento para reflexão e lembrar conquistas ao longo desses anos, também representa a luta das mulheres por direitos, contra a violência e o machismo. Nessas cinco décadas, foram muitas as vitórias para o movimento, no entanto, nos últimos anos a sociedade vem assistindo a uma escalada da violência contra a mulher. 

    No Brasil, a cada duas horas uma mulher é vítima de feminicídio (em sua maioria assassinada pelo companheiro ou ex-marido) e 33% das agressões sofridas por elas se dá pelo fato do homem não aceitar o fim da relação. Além disso, a cada 11 minutos, um caso de estupro é registrado nas delegacias de todo o território nacional. Em Petrópolis, a realidade não é diferente e os números de violência contra a mulher também assustam.

    Dados do Dossiê Mulher, elaborado pelo Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro (ISP), coloca Petrópolis na lista dos 20 municípios do Estado que mais contabilizaram estupros em 2018. Foram no total, 141 ocorrências no ano. Nos últimos cinco anos, foram 538 estupros registrados na cidade. Entre 2016 e 2018 houve um aumento de cerca de 51% nos registros nas duas delegacias do município – 105ª (Retiro) e 106ª (Itaipava).

    Em relação a todos os casos de violência contra mulher, Petrópolis ocupa o 50º no ranking do Estado. Em 2018, a cidade registrou um feminicídio e foram sete tentativas. As duas delegacias também registraram mais de 900 boletins de ameaça contra as mulheres, ficando em 41ª no Estado só neste tipo de crime.

    “Temos uma preocupação muito grande com as vítimas de estupro e a prova disso foi o lançamento, no ano passado, do Projeto Minha Aurora que investiga os crimes e dando mais celeridade nas investigações. O projeto conta com o laboratório instalado no IML, a distribuição das cartilhas nas escolas e palestras. O crime de estupro acontece em 70% dos casos dentro das casas das vítimas e a maioria delas são crianças e adolescentes”, comentou a delegada titular da 105ª Delegacia de Polícia (DP), Juliana Ziehe.

    A delegada citou a rede de proteção instalada na cidade para o atendimento à mulher vítima de violência, que conta com o Núcleo de Atendimento Psicológico Especializado Infanto-Juvenil (NAPE), o Centro de Referência e Atendimento à Mulher (Cram), as duas delegacias de polícia com destaque para o Núcleo Especial na 105ªDP.

    “As denúncias devem ser feitas, as mulheres precisam saber que elas têm uma rede de apoio e de atendimento e se sentirem seguras para denunciar seus agressores. Elas podem confiar e contar conosco para procurar ajuda”, ressaltou a delegada. “Como mulher e delegada, me sinto na obrigação de dar força também para outras mulheres para que elas saibam o poder que elas têm como mulher, mãe, esposa. Elas têm seus direitos garantidos e que sua família e companheiros respeitem sempre”, concluiu Juliana Ziehe.

     

    Lugar de mulher é onde ela quiser estar

    A primeira vereadora de Petrópolis

    Neta de imigrantes italianos, a professora de língua portuguesa e literatura, advogada e escritora Carmen Felicetti, de 79 anos, foi a primeira mulher a ocupar um cargo na Câmara de Vereadores de Petrópolis. Eleita em 1988 pelo PSB, e sem nenhuma influência política na família, Carmen abraçou o cargo com dedicação e garra.

    “Me dedico sempre a tudo que faço e quando fui eleita foi a mesma coisa. Acredito que o que me propus a fazer eu fiz bem feito. Não me arrependo de nada que fiz enquanto estive lá na Câmara e tentei fazer a minha parte, dar a minha contribuição para a cidade”, comentou a ex-vereadora. Carmen foi eleita mais de 50 anos depois que o voto feminino foi autorizado no país. Ela abriu as portas para a mulher na política petropolitana.

    “Naquela época, muitas mulheres não tinham coragem de romper com algumas barreiras e entrar para o mundo da política, predominante masculino, é uma dessas barreiras. Hoje a situação é um pouco diferente, mas ainda precisamos que mais mulheres se envolvam na política. Quanto mais mulheres nesse mundo da política mais fácil será conquistar pautas exclusivas e instituir mais políticas públicas”, pontuou Carmen.

    Atualmente, a ex-vereadora se dedica à família, aos livros e às flores, mas lembra com saudosismo dos tempos atuantes no plenário da Câmara. Como líder do governo e relatora da Lei Orgânica do Município (LOM), Carmen teve que enfrentar não apenas o preconceito (afinal eram 20 homens e apenas ela de mulher no Legislativo) mas toda a oposição. “Quando eu cheguei, senti que por ser mulher eles pensaram que seria fácil me anular, mas eu tinha liderança. Eles viram que eu tinha condições de exercer as funções de uma vereadora”, lembrou a ex-parlamentar.

    Como toda mulher, os quatro anos do seu mandato foram de trabalho árduo e abdicações. Com filhos, netos e casas para também dar atenção, a vida pessoal acabou ficando um pouco de lado, mas Carmen garante que valeu a pena. “Toda mulher dá conta do recado. Foi um tanto solitário os anos que fiquei lá dentro, algumas coisas ficaram para trás, mas foi uma época que aprendi muito. A política me deu uma visão do mundo muito diferente. Conciliar tudo não foi fácil, mas a mulher pode. O lugar da mulher é onde ela quiser e isso é qualquer lugar”, concluiu Carmen Felicetti.

     

    Mercado cervejeiro de portas abertas para as mulheres

    A ideia de que mulher não gosta de cerveja e que não sabe e não entende da sua produção está cada vez mais caindo por terra. Mulheres cervejeiras, produzindo a bebida estão ganhando espaço no mercado nacional e internacional. Fabricar a bebida também é coisa de mulher e o mundo cervejeiro não é mais exclusividade masculina.

    “Acho que muito mais mulheres deveriam estar nesse ramo. Afinal de contas, foram as mulheres que criaram a cerveja e, durante muito tempo, eram as responsáveis pela sua fabricação. Quanto mais ocuparmos os espaços tidos como masculinos, mais igualdade teremos e mais espaço abriremos para outras mulheres”, ressaltou a assistente cervejeira Illa Lopes Guimarães Proença, de 29 anos. Há um ano, ela trabalha na fábrica da Odin fazendo as brassagens, aliando as receitas, acompanhando os processos de fermentação e maturação, avaliando a qualidade, entre outras atribuições.

    A paixão pela bebida começou há alguns anos quando ela se encantou pelos diferentes sabores e aromas das cervejas especiais. “Fiz um curso de sommelier como hobbie e comecei a fazer cerveja em casa com amigos. Logo surgiu a oportunidade de trabalhar em uma loja de cervejas artesanais e depois ir para a fábrica”, contou Illa. Com um setor predominante masculino, ela diz que não há como escapar do preconceito. “Vejo que as mulheres, em geral, ainda tem um trabalho dobrado para convencer os outros de que entendemos de cerveja, que sabemos o que estamos falando, que gostamos de beber cervejas fortes e amargas também, que podemos dar conta do trabalho dentro de uma fábrica, que nós é que fazemos a bebida, entre outras coisas. Muitas vezes não temos a credibilidade que um homem teria se estivesse falando a mesma coisa”, lamenta a somellier.

    Apesar das dificuldades em provar diariamente que é capaz, Illa ressalta que estar fazendo o que gosta é o combustível para continuar. “Temos que nos virar do jeito que dá. Jornada tripla, quádrupla. É bem pesado mesmo. Acaba que não sobra tempo pra gente se cuidar e se olhar, pelo menos eu, com filhos pequenos e sem família morando perto, não tenho tempo para nada. Às vezes acho que não vou dar conta, mas é ai que descubro a força que nós mulheres temos. Estar fazendo o que gosto é um combustível imprescindível pra seguir firme na rotina louca do dia a dia, além de ter uma companheira que me apoia e divide comigo todas essas jornadas”, disse Illa.

    “Acho que todos nós precisamos estar atentos a essa glamourização das jornadas da mulher. Porque mesmo a gente tendo essa força toda, não é bonito isso. É exaustivo precisar dar conta de tudo e ficar sobrecarregada sempre. Já passou da hora de equilibrar mais esses papéis e acredito que isso seja benéfico para a sociedade de forma geral”. Assistente cervejeira Illa Lopes Guimarães Proença, de 29 anos.

    As meninas e a paixão pelo futebol 

    Um dos esportes mais populares do país e considerado paixão nacional, o futebol está a cada dia mais aberto para as meninas. Times amadores e profissionais femininos já fazem parte do cenário futebolístico em todo o Brasil, apesar da falta de incentivo e patrocínio. Para as meninas, o desejo de jogar bola vai além do reconhecimento financeiro, o futebol é uma realização pessoal.

    “O futebol é onde eu relaxo, onde eu deixo os problemas de lado. Não vivo do esporte e aqui na cidade não tem nenhuma visibilidade ou apoio. Mas jogar bola é algo que eu amo, faz parte da minha vida”, disse a goleira titular do Grão Pará de futsal feminino, Lidiane Carvalho, de 23 anos. O time completa em agosto 10 anos de fundação e conta com 20 meninas, entre 15 e 25 anos, sendo quatro atletas das cidades do Rio de Janeiro e Teresópolis. Os treinos acontecem todos os domingos na quadra do Sisep. O time tem como treinador o esportista Claudinei Raimundo, de 50 anos.

    Lidiane começou no esporte ainda menina. Já passou pelo Corrêas, mas foi pelo Grão Pará que pode participar de campeonatos estaduais. “Tudo é muito difícil para quem pratica o futebol feminino. Tudo é do nosso bolso e sem o apoio da família é quase impossível. O Claudinei consegue o nosso uniforme e nos leva para os torneios, mas é com a gente as chuteiras, roupas do treino. Ninguém incentiva e patrocina”, lamentou a goleira. “Nenhuma de nós vive do futebol. Eu trabalho para me sustentar, cuidar da minha família. Mesma realidade de todos do time. Temos a estrutura de uma quadra e de um bom treinador, mas nenhum reconhecimento financeiro”, lamentou a atleta.

    A falta de patrocínio só não é pior que o preconceito. Mulher jogando bola ainda é visto de uma forma pejorativa e nenhuma delas escapa das piadinhas machistas. “Relacionam o futebol com a sua orientação sexual. É chato ouvir isso. Ouvi muito, mas não desisti. Temos que deixar para lá, fingir que não ouviu o que estão falando e ir atrás do que gosta. Aconteceu comigo, com as meninas do meu time e vai acontecer com quem quiser jogar bola, mas o importante é não deixar esses comentários te abalarem e continuar em frente. Siga seus sonhos”, disse a goleira.

     

    Programação Dia Internacional da Mulher

    O Centro de Referência de Atendimento à Mulher (Cram) vai realizar uma série de eventos durante todo o mês de março pelo Dia Internacional da Mulher. Hoje, o Ônibus Lilás estará parado na Praça Dom Pedro, no Centro Histórico, e nos próximos dias vai realizar atendimentos no Brejal, no Bairro Esperança, Secretário e Vale das Videiras. 

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