• Desta vez, aula de desinformação da Dra. Pasternak

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  • 10/04/2021 08:00
    Por Gastão Reis

    Em dois artigos recentes, escrevi réplicas fundamentadas contra articulistas a serviço da desmemória nacional na linha de que o País sempre foi a bagunça atual em que os poderes ditos republicanos se desentendem quando a hora seria de união. A confusão mental é de tal ordem que certos ministros do STF vêm-se esmerando em transformar Moro em bandido e Lula em mocinho.

    O primeiro artigo-réplica meu foi contra o do economista e ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco, intitulado “A Visão do Precipício”, publicado no Estadão e no Globo, em 27.1.2019. Inverti o título dele para “O precipício da visão”, que foi publicado no Globo Online, em 11.2.2019, para ressaltar suas afirmações equivocadas, sendo a pior delas a de que o PIB real per capita brasileiro teria ficado praticamente congelado ao longo do século XIX.

    A segunda réplica foi contra o artigo publicado em O Globo, em 1.3.2021, por Miguel de Almeida, “A edição genômica e os empresários bozochavistas”. A despeito de afirmações corretas, ele se perdeu ao afirmar que Pedro II tinha horror a empreendedores e à inovação. Na verdade, o chamado bolsinho imperial concedia mais bolsas de estudos a estudantes de engenharia do que às chamadas humanas.  Quanto à inovação, Pedro II deu apoio a Graham Bell ignorado pelo público americano, na exposição de Filadélfia, de 1876. Sua empresa de telefonia mantém registro do ato em seu portal de entrada até hoje.

    Pois bem, no sábado de 3.4.2021, fui surpreendido pelo artigo, publicado no Globo, pela Dra. Natalia Pasternak, intitulado “Baile da Ilha Letal”. Reconheço, sem dúvida, sua competência profissional e sua contribuição de peso no combate à Covid-19 em bases científicas. Até aqui, tudo bem. Infelizmente, baseada em leituras superficiais, ela toma por base o Baile da Ilha Fiscal, Letal para ela, realizado em 9 de novembro de 1889, pouco antes da dita proclamação da  república, para fazer um cotejo com a situação atual do País.

    Segundo ela, a monarquia estava desatenta ao momento político vivido pelo País em 1889, criticando o luxuoso baile que na verdade inaugurava o complexo lá existente até hoje, e ainda recepcionava os oficiais e cadetes em treinamento da marinha chilena que nos visitava na época. É sabido que, durante décadas, Pedro II não promoveu bailes. O embaixador argentino, após visitá-lo, criticou o estado de conservação do Palácio Imperial da Quinta da Boa Vista. Desleixo? Não mesmo! Por questão de princípio, Dom Pedro II direcionava os recursos à sua disposição para obras e iniciativas que reputava mais importantes do que pintar seu próprio palácio.

    Pelo jeito, ela ignora o fato de que, durante quase 50 anos, D. Pedro II se recusou a receber qualquer aumento na dotação da Coroa. No início de seu reinado, o percentual era de 5% do orçamento do Império, ou 3,5%, segundo o historiador Jose Murilo de Carvalho, tendo caído ao final para 0,5% (meio por cento!). Essa, sim, ficou congelada por meio século. Não só isso, a destinação que dava a esses recursos sempre foi extremamente criteriosa, como bolsas de estudos para estudantes pobres, projetos sociais de interesse da população, e não para satisfazer qualquer tipo de vaidade pessoal.

    Em outro trecho de seu artigo, ela diz que “com o país à beira de uma reviravolta, a Corte vivia num mundo à parte”. Ela também não deve saber que D. Pedro II, aos sábados, das 17 às 19 horas, recebia qualquer pessoa que quisesse falar com ele sem necessidade de marcar audiência prévia e trajado como estivesse. Pedro II mantinha um caderninho e o famoso lápis preto em que anotava as queixas e cobrava providências de seus ministros. Como é que uma Corte com tais procedimentos semanais regulares podia estar vivendo num mundo à parte? Desta vez, a Dra. Pasternak acabou dando uma triste au-la de desinformação, nas palavras do meu amigo médico Dr. Bruno Hellmuth.

    Mundo à parte teve início com a república em que o Mal. Deodoro, logo de cara, dobrou seu próprio salário e baixou decretos beneficiando os militares. A Corte mencionada pela Dra. Pasternak, com luxos e lantejoulas, se aplica bem mais à republicana em Brasília, onde as mordomias dos três poderes afrontam a população dia sim e outro também.   

    O Rio de Janeiro, de fato, era vitimado por doenças como cólera, febre amarela e varíola, mais agressivas em climas tropicais. Já nos tempos de Dom João VI, foi criada a “Junta da Instituição Vacínica da Corte”, tornando obrigatória a vacinação contra a varíola, mantida por Pedro II. Segundo o  escritor e pesquisador Paulo Rezzutti, “D. Pedro II empregou todos os meios que possuía para tentar combater a cólera e outras doenças. Ia frequentemente aos hospitais visitar os doentes se expondo à contaminação”. Novamente, nem Pedro II, nem a Princesa Isabel viviam num mundo à parte. D. Pedro II visitava os doentes de cólera, inclusive na enfermaria de emergência instalada em uma das salas do Paço Municipal do Rio de Janeiro. Detalhe: era local de despacho do Imperador na hoje Praça XV. Ou seja, sempre atento ao povo e aos doentes.

    O artigo da Dra. Pasternak me fez lembrar de um episódio ocorrido com um amigo meu num almoço em São Paulo. Ele se sentou em frente a uma tenente-coronel negra da PM de SP. Na conversa, ao falar de monarquia, ela lhe disse que simplesmente não gostava do tema. Ele lhe perguntou por quê? “Basta olhar para minha cor”, ela respondeu. Como ele conhecia nossa história do século XIX, acabou lhe explicando uma série de fatos que ela desconhecia no tratamento dado por D. Pedro II e a Princesa Isabel a seus ancestrais. Finda a conversa, ela teve a humildade de afirmar que estava surpresa por desconhecer fatos que lhe interessavam tanto.

    Que o exemplo da tenente-coronel da PM de SP ilumine os caminhos da Dra. Pasternak e lhe permita entender a letalidade real, a da república brasileira, sempre distante do povo.

    * Gastão Reis é economista e empresário.

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