• Desconstrução dos estereótipos

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  • 24/01/2021 08:00
    Por Ataualpa Filho

    O meu gosto pela crônica provém desta possibilidade de, por intermédio dela, estabelecer uma reflexão informal no calor das discussões das ruas.  É por isso que esse gênero caminha ao lado do jornalismo, uma vez que este carrega consigo o dia a dia.

    Tenho lido e ouvido, com frequência, a expressão “desconstrução de imagem”, mesmo depois das campanhas eleitorais. Estou certo de que o ser autêntico, sem máscaras, não é desconstruído, mas a imagem política que se projeta dele sim. A desconstrução torna-se possível quando a imagem é apenas um produto de marketing. A apresentação de um perfil cuidadosamente trabalhado para impressionar o eleitor não se mantém diante das contradições quandoevidenciadas. A imagem criada “para inglês vê” não se sustenta, o próprio tempo se encarrega de desmitificá-la.

    Uma pessoa caluniada, vilipendiada inegavelmente sofre danos morais. Mas esse achincalhamento, não o considero como uma “desconstrução de imagem”, pois quando a verdade vem à tona, a autenticidade do ser prevalece. E quem passa por essa situação, pode exigir reparações na justiça, no pleno exercício de seus direitos. Para mim, ofensa moral e desconstrução de imagem são fatos distintos. As inverdades caluniosas são passivas de processos jurídicos.

    O que gostaria de ver desconstruídos são os estereótipos, os estigmas, os rótulos preconceituosos que alimentam as segregações. Sei que as inverdades podem criar lesões seculares. Basta dizer que em nenhum versículo da Bíblia faz referência a Maria Madalena como prostituta, mas como pecadora. Pecador, todos somos. E, no campo político, quem pode atirar a primeira pedra?

     Lembro aqui um texto do ilustre petropolitano Leandro Konder, publicado em 21/07/1996, no jornal “O Globo”, no qual há uma análise da imagem do País a partir do livro “O Cortiço” de Aluísio de Azevedo:

    “Apesar da distância de mais de um século que nos separa do mundo descrito por Aluísio de Azevedo, temos a impressão de que o Brasil, em alguns aspectos, continua sendo um imenso cortiço, cuja população sobrevive com dificuldade e é observado com olhar divertido pelos vizinhos privilegiados do sobrado.

    Também a figura de João Romão continua tendo, desgraçadamente, alguma atualidade. Quando algum egresso do universo popular consegue enriquecer (às custas de expedientes sórdidos), rompe com os vínculos que teve em sua origem e trata de se deixar cooptar – gostosamente – pelos barões.”

    Muitos “JoõesRomões”, depois da ascensão social, negam o próprio passado. E o pior, passam a menosprezar até quem o ajudou na ascensão.

     Nem tudo pode ser explicado pelo darwinismo social.  O nosso país não é um cortiço. Nem o nosso povo pode viver atado aos grilhões da pobreza. A frase de que o “Brasil não é um país sério” não foi pronunciada por Charles de Gaulle, mas por um embaixador brasileiro.

    E o socialismo, o mestre Machado de Assis já se referira a ele, bem antes da Revolução Russa, como uma coisa da China. Em 15 de abril de 1894, escrevera na Gazeta de Notícia:

    “Esta Gazeta, para não ir mais longe, ainda anteontem noticiou que o socialismo era conhecido na China desde o século XI. Os propagandistas da doutrina diziam então que era preciso destruir ‘o velho edifício social’. Verdade seja que muito antes do século XI se formos à Palestina, acharemos nos profetas muita coisa que há quem diga que é socialismo puro. Por fim, quem tem razão é ainda o Eclesiastes: Nihilsub solenovum”. “Nada há de novo debaixo do sol”.

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