• Descendente do Quilombo da Tapera concorre ao Miss Beleza Negra Nacional

  • Continua após o anúncio
  • Continua após o anúncio
  • 20/11/2018 05:00

    Descendente dos ex-escravos moradores do Quilombo da Tapera, em Petrópolis, a estudante de jornalismo Rafaela André, de 22 anos, venceu no último dia 10 a etapa estadual do Miss Beleza Negra, em Roraima. Na próxima quinta-feira, dia 22, ela recebe a faixa em cerimônia oficial para concorrer representando o estado no concurso nacional 2019. No Dia da Consciência Negra, ela deseja reflexão sobre a inserção do negro na sociedade não apenas em um dia, mas todos os dias – para que mulheres negras tenham, cada vez mais, o que ela tem buscado e alcançado na própria vida: representatividade.

    Com 1,86m, pernas longas, cabelo crespo curto e olhos amendoados, Rafaela tem se destacado no seu dia a dia, não pelo porte de modelo de passarela, mas por sua atuação contra o racismo e preconceito em espaços como a universidade, a rádio e a TV, onde já trabalha como jornalista. E foi justamente por isso que ela foi a indicação direta para representar o estado, que não realizava o concurso há dois anos e oito meses.

    “O concurso estava parado. Fazia mais de dois anos que o estado não indicava ninguém. Convidamos a Rafaela porque, além dela ter o perfil para as passarelas, ela tem se destacado na causa negra”, disse o produtor e coordenador do concurso em Roraima, Nerley Guerreiro. No ano que vem a estudante de jornalismo passará por uma série de preparativos para concorrer ao título nacional em setembro.

    “Nunca pensei em ser modelo. Queria representar os negros, sim, mas como jornalista. Nunca acreditei que isso pudesse acontecer. Sempre fui muito alta, mas me achava feia”, conta Rafaela, que tinha parentes em Roraima e se mudou para fazer pré-vestibular lá. Acabou por ingressar na universidade federal do estado.

    Nascida e criada em Correas, ela conta que há até pouco tempo não valorizava suas origens quilombolas. Foi só na universidade que passou a reconhecer a importância da comunidade na cidade. Seu avô, Antônio Horácio André, morava no Quilombo do Tapera. Ele era primo do atual presidente da associação de moradores local, Amarildo André, 54 anos. 

    “Rafaela dá orgulho para a gente. É bom para toda a comunidade do quilombo a sua conquista no concurso. Porque nós só fomos reconhecidos em 2011, mas há muita gente que ainda não nos reconhece”, disse Amarildo, que hoje está à frente da comunidade que reúne 14 famílias e mais de 60 pessoas. Localizado no Vale do Cuiabá, o quilombo existe desde 1847, quando duas escravas da antiga Fazenda Santo Antônio receberam por doação do dono um pedaço de terra. 

    “O racismo e o preconceito ainda existem no Brasil. Hoje eu tenho a oportunidade de transitar em locais que antes não era alcançável para os negros. O Brasil tem 54% da população negra, mas na Televisão nem a metade das pessoas são negras. Ainda é um lugar pouco ocupado por nós, assim como tantos outros”, diz Rafaela.

    Ela conta ainda que nem sempre lidou com a própria aparência do modo que lida hoje e que acredita que concursos de beleza como esse, apesar de terem, sim, muitos padrões de beleza eurocêntricos, são importantes como lugar de identificação e representatividade da mulher negra. “Quando eu era criança e ligava a TV, raramente via alguém que se parecia comigo. Houve um momento na minha vida que alisei tanto o meu cabelo que ele caiu todo. Por isso, é importante para as mulheres negras se verem nestes papéis e também ocuparem esses lugares”.

    Para a petropolitana que agora concorre nacionalmente, representando um estado tão distante da cidade fluminense, o título de Miss não é só de Roraima, mas de Petrópolis também. Mas, mais que isso. “Não é só um título. Eu represento a força e resistência do negro. Força porque foi muito difícil chegar até aqui. E resistência porque é preciso permanecer no local onde você chegou e resistir”.



    Últimas