Denúncias de corrupção na Saúde pressionam governo
Diante do avanço das investigações na CPI da Covid e de denúncias de corrupção na compra de vacinas, o Palácio do Planalto age para manter de pé a aliança com o Centrão e evitar a ampliação da crise política, que tem no líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (Progressistas-PR), o personagem central. A pressão se agravou ontem (30) com a apresentação do superpedido de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro, assinado por partidos de esquerda, centro-direita e parlamentares que romperam com o governo, além de integrantes de movimentos sociais, reunindo mais de 100 representações já protocoladas na Câmara. Acuado, o presidente voltou a recorrer ao tom de ameaça para atacar a CPI, citando as Forças Armadas.
“Não conseguem nos atingir, não vai ser com mentiras ou com CPI integrada por sete bandidos que vão nos tirar daqui”, discursou Bolsonaro em Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul, em referência ao grupo de senadores que é maioria na comissão. “Só tenho paz e tranquilidade porque sei que, além do povo, temos Forças Armadas comprometidas com a democracia e com a liberdade”, afirmou.
A Polícia Federal instaurou inquérito para investigar a compra da vacina indiana Covaxin, produzida pelo laboratório Bharat Biotech e intermediada pela empresa Precisa Medicamentos. O dono da Precisa, Francisco Maximiano, vai depor nesta quinta-feira (1), à CPI. Ricardo Barros, por sua vez, será ouvido pelos senadores na próxima quinta-feira (8). A Procuradoria da República no Distrito Federal também abriu investigação criminal sobre as negociações para aquisição da vacina. O contrato foi suspenso temporariamente pelo governo.
Ao Estadão, o deputado Luis Miranda (DEM-DF), que depôs à CPI da Covid na semana passada e denunciou irregularidades nas tratativas para importação da Covaxin, disse nesta quarta (30), que vai provar a existência de corrupção no governo. Ex-aliado de Bolsonaro, o deputado atua para proteger seu irmão, o servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo Fernandes Miranda, que disse à CPI e ao Ministério Público ter sido pressionado por superiores para acelerar o negócio com a Covaxin. As tratativas incluíam pagamento antecipado de US$ 45 milhões a uma offshore que não constava no contrato. Os dois irmãos afirmaram ter denunciado o esquema a Bolsonaro, que teria dito que isso seria “rolo” de Ricardo Barros.
Ao ser questionado ontem sobre o superpedido de impeachment, o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), minimizou a estratégia. “O que houve nesse superpedido? Uma compilação de tudo o que já existia nos outros. E, sobre esses depoimentos, quem tem de apurar é a CPI. É para isso que ela existe. Então, ao final dela a gente se posiciona aqui, porque, na realidade, impeachment como ação política a gente não faz com discurso, a gente faz com materialidade”, disse Lira, líder do Centrão e adversário de Barros dentro do partido.
Sigilos
Com foco nas suspeitas de irregularidades envolvendo a compra de vacinas contra o coronavírus, que já matou mais de 500 mil brasileiros, a CPI quebrou ontem os sigilos telefônicos e telemáticos de integrantes do chamado “gabinete do ódio”. O grupo, coordenado pelo vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), é composto por auxiliares do presidente, acusados de espalhar fake news nas redes sociais contra adversários do governo. Tiveram os sigilos quebrados os assessores da Presidência Mateus Matos Diniz, José Matheus Salles Gomes e Tercio Arnaud Tomaz. O ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello também teve os sigilos quebrados.
Além das suspeitas de malfeitos nas negociações para a compra da Covaxin, o governo passou a lidar com acusações de propina que teria sido cobrada pelo então diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias. O policial militar Luiz Paulo Dominguetti disse ao jornal Folha de S. Paulo ter aberto negociação com o governo, em nome da empresa Davati Medical Supply, para vender 400 milhões de doses da vacina AstraZeneca. O acordo não foi adiante, segundo ele, porque o diretor cobrou propina de US$ 1 por dose para o negócio prosseguir. A AstraZeneca disse não ter intermediário para venda de sua vacina, que no Brasil é distribuída pela Fiocruz.
Ligado ao deputado Ricardo Barros, que foi ministro da Saúde no governo de Michel Temer, Ferreira Dias acabou sendo demitido nesta terça (29). O diretor já havia sido acusado por Luis Ricardo Miranda de ser um dos que faziam pressão para acelerar a compra da Covaxin.
A indicação do diretor de Logística do Ministério da Saúde havia sido patrocinada pelo ex-deputado Abelardo Lupion (DEM-PR) com o apoio de Barros. Tanto Ferreira Dias como Lupion trabalharam no governo de Cida Borghetti, mulher do líder do governo na Câmara.
A demissão sumária e sem explicações de um diretor com cargo estratégico na Saúde deixou clara a pressão sofrida pelo governo. Ao mesmo tempo, o Planalto tenta identificar se há mais bombas-relógio para explodir no ministério. O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) se reuniu ontem com o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, para saber detalhes do pente fino que está sendo feito nos contratos para aquisição de imunizantes.
O ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Wagner do Rosário, disse que em aproximadamente dez dias apresentará suas conclusões. Foi dele quem partiu o parecer aconselhando que fosse suspenso o contrato com a Precisa.
Existe a avaliação de setores do governo de que Arthur Lira estimulou o deputado Luiz Miranda a denunciar a suspeita de prevaricação de Bolsonaro à CPI para enfraquecer Barros, seu rival dentro do Progressistas. Apesar do desgaste, o governo ainda não decidiu se afastará Barros do posto. O prazo para essa decisão, a princípio, é dia 8, quando ele prestará depoimento na CPI. Se for bem e sobreviver, pode continuar no cargo. Se for mal, será rifado.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.