• Dengue: em dois meses, Brasil ultrapassa 970 mil casos, mais da metade do total de 2023

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  • 28/fev 07:02
    Por Leon Ferrari / Estadão

    O Brasil ultrapassou os 970 mil casos prováveis de dengue, de acordo com dados do Ministério da Saúde. Os dados vão até a semana epidemiológica 8, encerrada no sábado (24), e foram anunciados nesta terça (27). Isso significa que, em dois meses, o País já registrou mais da metade (58,6%) de todas as notificações do ano passado, quando 1,65 milhão de infecções foram observadas.

    Frente a esse cenário, sete unidades federativas (AC, DF, GO, MG, ES, RJ e SC) – a maioria delas no eixo Centro-Sul do Brasil – e 154 municípios decretaram emergência, de acordo com o último informe diário da pasta. A nível nacional, a incidência da dengue é de 479,3 casos a cada 100 mil habitantes – a maioria dos decretos ocorreu após a cidade ou estado ultrapassar os 300 casos/100 mil habitantes.

    Para Julio Croda, infectologista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), o acumulado de casos nesta época do ano é, de fato, “inesperado” e “não usual”. “Vamos viver o pior ano da epidemia de dengue que a gente já viu no País”, alerta.

    “A expectativa é que esses números continuem a crescer, e que a gente supere o recorde histórico de número de casos e, infelizmente, também o número de óbitos”, completa. Considerando que nosso sistema de vigilância mudou pouco nos últimos anos, o médico lembra que há uma estimativa de nove casos subnotificados para cada registro oficial de caso provável, além dos assintomáticos. Ou seja, o número real deve ser bem maior.

    Em coletiva nesta terça-feira, 27, o ministério destacou que o avanço de casos ocorre em um momento em que não só a dengue circula, o que eleva a preocupação. “Temos chikungunya, temos covid, começamos também agora uma temporada de vírus respiratórios, que precisamos prestar atenção”, disse Ethel Maciel, secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde.

    “Aos primeiros sinais de sintomas de febre, dor no corpo, dor nas articulações, dor atrás dos olhos, mal-estar, dor de cabeça, mancha no corpo, procure um serviço de saúde”, pediu. A ministra Nísia Trindade anunciou um “dia D” do combate à dengue, que ocorre no sábado, 2, com ações de prevenção e de incentivo à eliminação dos focos do mosquito Aedes Aegypti, vetor da dengue – 75% dos criadouros estão dentro de nossas casas.

    O número de mortes por dengue é de 195 até o momento. Em todo o ano passado, foram 1.094 mortes, o recorde histórico. A letalidade (a razão entre o número de mortes e dos casos prováveis de dengue), porém, é menor do que no ano passado, de acordo com a pasta. Comparando as oito primeiras semanas epidemiológicas de cada ano, a taxa de letalidade era de 0,07 em 2023, e, agora, está em 0,02.

    Em coletivas de imprensa realizadas ao longo deste ano, autoridades já chamavam a atenção para essa queda, atribuindo o resultado a uma melhor preparação das equipes de saúde para manejar os casos. A dengue não tem tratamento específico, mas um protocolo adequado de hidratação salva vidas.

    Mesmo faltando alguns dias para o fim de fevereiro, o acumulado de casos dos primeiros dois meses deste ano já é 236.37% maior do que o registrado nos dois primeiros meses do ano passado. De acordo com o painel de arboviroses do ministério, foram registrados 289.366 casos prováveis de dengue em janeiro e fevereiro de 2023.

    O último informe semanal da pasta, que traz informações um pouco mais detalhadas, publicado em 20 de fevereiro, o maior número de casos deste ano ocorreu na semana epidemiológica 5, que compreende o período entre 28 de janeiro e 3 de fevereiro, quando houve registro de 175.015 infecções prováveis. O pico de 2023 aconteceu na semana 15 (111.840), entre 9 e 15 de abril.

    A dengue tem um comportamento sazonal. De acordo com o Ministério da Saúde, o aumento do número de casos e o risco para epidemias ocorre, principalmente, entre os meses de outubro de um ano a maio do ano seguinte.

    O ideal é que nos preparemos para o pior. Ou seja, para que o pico aconteça entre abril e maio”

    Julio Croda, infectologista da Fiocruz e professor da UFMS

    Mas os picos não costumam ocorrer já nos primeiros meses do ano. “Ultrapassamos o pico da doença de 2023 com dois meses de antecedência”, destaca Croda.

    Ethel disse, na coletiva desta terça, que a curva de casos deste ano é atípica. Os casos começaram a subir antes do que ocorria e em uma velocidade “muito rápida”. O Ministério da Saúde já chegou a apontar que o Brasil pode estar vivendo uma antecipação da sazonalidade.

    Croda acha que é muito cedo para termos certeza de que o pico se antecipou. “O ideal é que nos preparemos para o pior. Ou seja, para que o pico aconteça entre abril e maio.”

    Na coletiva desta terça, a ministra Nísia e Ethel frisaram que não é possível ser categórico neste momento e que muitas incertezas permeiam essa hipótese. “Não sabemos ainda, e estamos monitorando os dados, se vai haver uma descida”, disse Ethel. Segundo ela, outras perguntas importantes, caso haja um decréscimo, são: “a descida vai ser sustentada?” e ” ela vai ser tão rápida como a subida”. Todas elas sem resposta, afirma.

    Previsão

    A estimativa do Ministério da Saúde é de que, neste ano, o Brasil atinja 4,2 milhões de casos. É mais do que o dobro dos registros do ano passado e algo nunca visto antes no País.

    Um dos motivos para a previsão nada otimista é que, após muitos anos, os quatro sorotipos da dengue circulam no País, embora DENV-1 e DENV-2 prevaleçam. Além disso, há a influência das mudanças climáticas e do El Niño, que causam aumento de temperatura, e um ritmo anormal de precipitações. Trata-se do cenário ideal para o mosquito Aedes Aegypti, o vetor da dengue, transmitir o vírus e se proliferar.

    Na coletiva desta terça, 27, a ministra Nísia Trindade acrescentou mais um fator que pode estar contribuindo com o agravamento da crise: cidades médias e pequenas com “grandes número de casos”. “Isso significa mais interiorização, mais dispersão.” Há preocupação da pasta com as condições dos serviços de saúde destes municípios.

    Em meio a esse cenário, iniciou-se a vacinação contra a dengue com a única vacina aprovada até o momento pela Anvisa e que pode ser amplamente aplicada na população: a Qdenga, da farmacêutica japonesa Takeda. O número de doses é pequeno (cerca de 6,5 milhões para este ano) e, por isso, apenas crianças de 10 a 14 anos de 521 municípios serão vacinados em 2024. Os efeitos da campanha na redução de casos não devem ser sentidos no curto prazo.

    O foco do Ministério da Saúde, no momento, é evitar as mortes pela doença, que são evitáveis. Desde de novembro do ano passado, como mostrou o Estadão, as autoridades nacionais já se comunicavam com Estados e municípios para avisar sobre uma sazonalidade errática da doença, que exigia atenção especial e preparação antecipada.

    O sucesso do manejo de casos se dá na identificação precoce de sinais de alarme da doença, que indicam um agravamento do caso. Quanto mais rápido eles forem detectados e o tratamento começar, melhor o prognóstico. Em casos críticos, a hidratação precisa ser endovenosa (na veia).

    Neste ano, 7.771 casos de dengue grave ou de dengue com sinais de alarme foram registrados. De acordo com dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), tabulados pelo Estadão, em todo 2023, 21.636 casos assim foram notificados. Nas primeiras oito semanas do ano passado, o acumulado era de 1.953.

    Deveríamos decretar emergência, diz infectologista

    O número de casos claramente ultrapassou o canal endêmico, o que indica uma epidemia. Embora ela se concentre principalmente no eixo Centro-Sul, Croda avalia ser importante que o Ministério da Saúde decrete emergência a nível nacional – e não só por conta do número bastante expressivo de casos fora da época esperada. “Temos outros fatos relevantes: uma epidemia de chikungunya em Minas Gerais e uma epidemia de (febre) oropouche no Norte, que a gente desconhece o real impacto.”

    “Decretar emergência é uma ação adequada do ponto de vista do Ministério da Saúde, porque pode ajudar a levar recursos, orientação, informação e, principalmente, mobilização aos municípios, Estados e à população. Mais do que um ato propriamente administrativo, é um ato que envolve sensibilizar gestores e sociedade.”

    Questionada na coletiva desta terça, 27, sobre a possibilidade de decretar uma emergência sanitária de interesse nacional, Nísia foi evasiva. “Tudo que for necessário fazer para reduzir o impacto da dengue, para salvar vidas, nesse momento, é o que vamos fazer”, disse.

    “Se vamos chegar a uma situação, pelo nível da assistência, de falta de leitos, estamos trabalhando para que não haja esse quadro”, falou. “Estamos trabalhando de forma muito cuidadosa para informar adequadamente a população, mas sem dizer ‘olha, vamos chegar a uma emergência”.

    A ministra, então, cita outras três emergências vividas no País. “A emergência de zika, que tinha uma questão muito concreta, o forte risco da síndrome congênita. Absolutamente um fato novo, não tinha sido descrito em lugar nenhum e não se sabia onde ia parar. Outra emergência, essa de importância internacional, foi a covid-19, com alta transmissão e o colapso na rede de saúde. Outra, causada por desassistência, é a crise yanomami.”

    “Temos que ter cuidado. São situações muito diferentes. Fazer a coisa certa na hora certa”, finalizou.

    Entre essas falas, ela chega a dizer que “não existem indicadores universais para isso”. Não ficou claro se ela se referia à possível falta de leitos ou à declaração de emergência.

    Entretanto, de acordo com o decreto nº 7.616/2011, que dispõe sobre a declaração de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (Espin), considera-se surto ou epidemia – e cabe decreto de Espin, situações epidemiológicas que: apresentem risco de disseminação nacional, sejam produzidos por agentes infecciosos inesperados, representem a reintrodução de doença erradicada, apresentem gravidade elevada ou extrapolem a capacidade de resposta do Sistema Único de Saúde (SUS).

    O atual cenário de dengue, de acordo com especialistas ouvidos pelo Estadão, se enquanto na primeira possibilidade, ou seja, “tem risco de disseminação nacional”.

    Ação

    O Ministério da Saúde intermedia conversas entre a Fiocruz e a Takeda para transferência de tecnologia da vacina, que permitiria aumentar a produção do imunizante. Além disso, investe em tecnologias inovadoras, como o método Wolbachia.

    Nesse método, mosquitos ou ovos são alterados em laboratório para carregar a bactéria Wolbachia, que bloqueia a transmissão de arboviroses. Os insetos são liberados no ambiente para competir com os selvagens, substituindo-os. A técnica tem colhido resultados surpreendentes pelo mundo, com reduções de até 90% da incidência da dengue em algumas localidades. No ano passado, a pasta investiu R$ 30 milhões na estratégia.

    A pasta também anunciou a ampliação os recursos reservados para apoiar Estados, municípios e o Distrito Federal no enfrentamento de emergências, que incluem a dengue, para R$ 1,5 bilhão. Em novembro passado, o ministério já havia prometido R$ 256 milhões.

    De acordo com Ethel, foi publicado nesta terça, a primeira portaria que destina esses recursos adicionais. Foram contemplados o DF e nove municípios de GO, MG, RJ e SP.

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