Delírio de grandeza
Estou ciente da seriedade do assunto que hoje coloco em pauta. Sei que o tema é delicado. Porém temos que abordá-lo, pois tem sido frequente a constatação do complexo de superioridade. Pessoas tratadas como celebridades midiáticas sentem-se superiores, com elevado grau de importância, por isso exigem tratamento “vip”. E o pior: emitem conceitos absolutos como se fossem detentores da verdade, por isso são rotulados de influenciadoras.
Apesar da minha insignificante interpretação do comportamento social, do meu parco conhecimento de Psicologia, arrisco-me a dizer que a obsessão pela fama está entre os fatores que desencadeiam o que se convencionou chamar de “delírio de grandeza”, que consiste no fato de um indivíduo se sentir diferenciado, portador de talentos inigualáveis, por isso se acha em patamar superior. E assim passa a olhar os outros como inferiores. Desdenha, debocha, menospreza as pessoas mais simples. Fato que consuma o assédio moral. Há os que até sentem prazer em provocar constrangimento. Regozijam ao criar situações vexatórias. Esses catagelasticistas ironizam, zombam dos erros, das falhas dos outros. Quando descobrem que uma pessoa é portadora de gelotofobia, medo de passar vergonha, procuram ridicularizá-la em público para que seja motivo de riso. Os tímidos são os principais alvos.
É fácil identificar as raízes da vaidade nos conflitos que desagregam famílias, relações de amizades. Até em conflitos bélicos, é possível constatar a intransigência inerente à prepotência. A sede de poder é um reflexo da ganância.
Lamentavelmente cresce o número de pessoas que sentem “prazer” em criar intrigas. Gostam de ver o “circo pegando fogo”, adoram “rir das desgraças dos outros” (schadenfreude). São agentes da discórdia, não têm o hábito da conciliação. A desavença é infrutífera, contraproducente.
Quando me vejo diante de egos inflados pela vaidade, vem, à mente, um verso de Fernando Pessoa que está em “Poema em Linha Reta”: “Arre, estou farto de semideuses!”
Não consigo entender como alguém que, só por pagar por um serviço, sente-se no direito de hostilizar quem o serve. O ato de exigir o cumprimento de um serviço perfeito não passa pela agressão de quem o executa.
A perda da simplicidade é um estágio da arrogância. A vaidade sempre anda atada ao egocentrismo. Há os especialistas na produção de “fofocas”, em criar conflitos entre egos, ou seja, em provocar intrigas. O “disse-me-disse”, o “leva-e-traz” são explorados com o propósito de produzir “conteúdos” em redes sociais. Por isso que o comércio da privacidade ganha espaço entre os fúteis. O supérfluo é produto de consumo, principalmente, entre os que nutrem as segregações, que se distanciam das lutas pelos direitos dos menos favorecidos.
Na ânsia pela obtenção da fama, existem até aqueles que se ridicularizam em busca de visibilidade. O nanismo da humildade, para mim, é um problema sério. Nas mídias sociais, tenho visto celebridades raquíticas em humildade. Não decolam do eu, querem preencher o vazio que há dentro de si com falsos elogios, iludem-se com os brilhos das purpurinas e lantejoulas.
O problema reside nesse ilusionismo da fama, da obsessão pelo poder, na ânsia da superioridade, na perda da humildade que desencadeiam traumas, frustrações. Sei que a mediocridade tem plateia cativa que deve ser respeitada. Contudo, não se trata do questionamento das preferências. Mas das agressividades existentes em assédios morais, na desqualificação de quem presta serviços que não estão na esfera da notoriedade, nem com qualificação em nível superior.
Trocando em miúdos: a todo instante, deparamos com flagrantes da agressividade sofrida por porteiros, entregadores, funcionários, funcionárias vítimas de discriminações. Lamentavelmente ainda, em nosso país, deparamos com trabalhadores e trabalhadoras em condições análogas às de escravo. Explorados por quem se apresenta como autoridade, como “cidadão de bem”, que, na verdade, são acumuladores de bens pela exploração da mão de obra operária.
E, para finalizar esta nossa prosa, em tom descontraído, transcrevo aqui versos da canção “Diversão” dos Titãs, que está no álbum “Jesus não Tem Dente no País dos Banguelas”, lançado em 1987:
“Às vezes qualquer um faz qualquer coisa/ Por sexo, drogas e diversão/ Tudo isso às vezes só aumenta/ A angústia e a insatisfação/ Às vezes qualquer um enche a cabeça/ De álcool atrás de distração/ Nada disso às vezes diminui/ A dor e a solidão.”
– Para quem tem como meta a multiplicação dos pães em doações aos carenciados, o primeiro lugar é o último.