Delegacias de Defesa da Mulher (DDMs) são eficazes, mas fazem mais diferença na redução de homicídios de mulheres brancas do que de pretas e pardas no Brasil. Isso é o que diz estudo conduzido ao longo de quase quatro anos por pesquisadores do Insper e da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Nas cidades onde há delegacias da mulher, há redução de 10% a 13% nos homicídios femininos na comparação com os outros municípios, mas esse efeito é desigual conforme o perfil racial. Os possíveis motivos apontados pelos pesquisadores vão da dificuldade das vítimas mais pobres para chegar às unidades da Polícia Civil à desconfiança por parte da população preta quanto à efetividade das denúncias.
Conforme o estudo, a queda de homicídios motivada pelas delegacias da mulher só ocorre entre mulheres pretas e pardas nas capitais e regiões metropolitanas ou em cidades com alto nível de escolaridade feminina, o que ajuda na compreensão da importância de denunciar.
Ainda assim, a disparidade se mantém. Enquanto a redução nos feminicídios é de 5% a 8% entre pretas e pardas em cidades com esse perfil, para mulheres brancas a diminuição fica entre 22% e 25%. “As pretas são beneficiadas, mas não na mesma magnitude”, diz Sandro Cabral, professor do Insper e da Universidade Federal da Bahia.
Segundo ele, um dos líderes do estudo, as delegacias da mulher – a primeira foi criada em 1985, na capital paulista – se tornaram ainda mais efetivas após a Lei Maria da Penha (de violência doméstica), de 2006. Mas ele defende políticas para melhorar resultados, como redes de proteção para vítimas e acompanhamento psicológico.
O Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública aponta que, em 2020, houve 3.913 homicídios de mulheres, queda de 2% ante 2019. Foram registrados ainda 1.350 feminicídios no País, alta de 0,7% sobre 2019. O feminicídio é o crime cometido porque a vítima é mulher e prevê penas mais altas.
“Não basta só ter o órgão, é preciso ter medidas complementares”, diz Cabral. “Tem de ter estrutura, transporte, saber como chegar lá.” O estudo foi publicado neste mês na revista científica Public Administration Review. Foram analisados dados de 2004 a 2018 dos mais de 5,5 mil municípios.
São Paulo
Segundo a delegada Jamila Ferrari, que coordena as delegacias da mulher de São Paulo, alguns dos desafios são desenvolver formas de comunicar a importância de denunciar e também de se preencher lacunas no serviço prestado pelas DDMs.
“Sabemos que muitas das ocorrências acontecem à noite e nos fins de semana, mas não temos como criar DDMs 24 horas em todo o Estado”, explica Jamila. Segundo ela, só 11 das 148 delegacias funcionam 24 horas ao dia – sete delas na capital. Para contornar isso, o governo implementou uma medida acessória em março.
Das unidades comuns, 144 delegacias funcionam 24 horas no Estado. “Criamos, em cada uma delas, uma Sala DDM 24 Horas”, explica. “É onde a mulher é atendida, sem entrar na fila comum.” A vítima é recebida na sala e o atendimento é feito de forma virtual por delegadas que ficam na capital.
Mas há ainda outras limitações. Uma delas, diz Jamila, é que não cabe às delegacias contratar psicólogos e assistentes sociais para atuar junto às mulheres. Ainda assim, é possível fazer parcerias com instituições que oferecem esse serviço.
O governo de São Paulo informou, em nota, ter intensificado as ações de combate à violência contra a mulher. Disse que, em 2021, houve queda de 25% de feminicídios no Estado, ante 2020. No ano passado, 56 autores deste tipo de crime foram presos em flagrante. Neste ano, foram oito.
Assistentes sociais ajudam a registrar BOs
Para ajudar no atendimento às mulheres nas delegacias, são comuns parcerias com universidades ou organizações da sociedade civil. Uma dessas iniciativas é o Bem Querer Mulher, desenvolvido por lideranças empresariais e sociais.
Criado em 2004 com apoio da ONU Mulheres, o programa tem como um dos braços a atuação em delegacias especializadas. Prestado por assistentes sociais, o serviço gratuito começou em dezembro e auxilia no atendimento de mulheres que chegam fragilizadas para denunciar agressões.
“Nesse estado, elas não conseguem contar direito o que aconteceu e os boletins de ocorrência viram uma coisa horrorosa”, diz Heloisa Melillo, coordenadora-geral do Bem Querer Mulher. Se o BO chega precário ao juiz, a vítima tem mais dificuldade de conseguir medidas protetivas. As assistentes sociais do Bem Querer Mulher acolhem as vítimas e, depois, ajudam a evitar ruídos no registro dos crimes.
Inspiração
O trabalho nas DDMs foi inspirado na assistente social Tatiana Costa, que já atuava na delegacia da mulher de Embu das Artes, na Grande São Paulo, desde 2021. Tatiana hoje coordena os projetos de assistência do Casa Bem Querer não só em Embu, como em Santo Amaro e Jaguaré, na capital.
Tatiana começou de forma autônoma na DDM de Embu, onde mora. Ela conta que cresceu na comunidade de Paraisópolis e viu de perto a realidade de outras mulheres pretas, como ela. “Elas têm medo de procurar a delegacia. Ter assistente social faz a diferença.” Até o fim do ano, a meta é atuar em ao menos dez DDMs. Desde janeiro, mais de 300 mulheres receberam atendimento. Algumas foram levadas para serviços como a Casa Bem Querer Mulher, onde há atuação também de psicólogas e advogadas, entre outras profissionais.
A desempregada Maria (nome fictício), de 30 anos, foi uma das que tiveram auxílio ao ir à delegacia do Jaguaré em fevereiro para relatar violência contra ela e a filha menor. Ela registrou BO e depois obteve medida protetiva. “Eu só chorava, me sentia culpada pela violência que acontecia comigo e com minha filha. Hoje, sou atendida por uma psicóloga, que ajuda muito na minha evolução.”