Decisão que mandou prender jornalista colabora para a autocensura, reage Abraji
A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) reagiu à decisão que mandou prender preventivamente o jornalista Ricardo Antunes, que comanda um blog de grande audiência em Pernambuco.
Em nota, a entidade afirmou que a prisão é uma medida “excessiva” e afeta toda a categoria jornalística. “Colaborando para a autocensura e para o prejuízo da sociedade em seu direito de ser informada”, diz o texto.
O jornalista é réu por difamação e injúria, em “continuidade delitiva”, contra o promotor de Justiça Flávio Roberto Falcão Pedrosa. A ação penal foi aberta depois que ele publicou notícias sobre a compra de um terreno pelo promotor na ilha de Fernando de Noronha.
Ao decretar a prisão, a juíza alegou que Ricardo Antunes descumpriu uma decisão provisória que determinou a remoção imediata de publicações sobre o promotor até a conclusão do processo. Ela também mandou cancelar seus passaportes e bloquear seus perfis nas redes sociais.
“A liberdade de expressão constitucionalmente assegurada não pode ser utilizada como salvo conduto para o cometimento de infrações penais, tampouco autoriza a ofensa à honra alheia”, diz um trecho da decisão.
Embora uma das notícias ainda esteja indexada nas buscas do Google, o conteúdo está indisponível no blog de Ricardo Antunes. Havia ainda uma chamada nos stories do Instagram, que segundo a defesa era antiga e passou despercebida por um “equívoco” da equipe que gerencia as redes do jornalista.
Ele não compareceu à audiência de instrução do processo. A defesa justificou, com antecedência, que ele está de férias na Espanha e não teria acesso à internet de qualidade para participar da sessão por videoconferência. O jornalista segue fora do País e não foi preso.
Em nota, ele afirmou que é vítima de “censura”. A advogada Rubia Torres, que defende o jornalista, informou que vai entrar com uma representação contra a magistrada no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por abuso de autoridade. Para a advogada, a decisão é um “exagero jurídico”. A defesa também entrou com recurso no Tribunal de Justiça de Pernambuco para tentar reverter a ordem de prisão.
COM A PALAVRA, A ABRAJI
A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) vê com preocupação a decisão judicial que determinou a prisão preventiva do jornalista Ricardo Antunes, em Pernambuco. A medida extrema, deferida pela juíza Andréa Calado, da 11ª Vara Criminal de Recife, foi tomada no âmbito de um processo criminal movido pelo promotor Flávio Roberto Falcão Pedrosa, do Ministério Público Estadual, por causa de reportagens e declarações de Antunes a respeito do servidor público.
Em contato com a Abraji no final de semana, Antunes informou que estava em férias em Madri, na Espanha, quando soube do pedido de prisão, determinado na sexta-feira (26.abr.2024), após audiência da qual ele não participou, mas que afirmou, por meio de sua defesa, que estava fora do país e com problemas de conexão à internet.
A Justiça de Pernambuco considerou que Antunes descumpriu decisão judicial anterior que havia determinado a retirada do ar das reportagens publicadas pelo jornalista e que teve comportamento evasivo, visto que teria feito uma live em sua conta no Instagram momentos antes da audiência. A defesa de Antunes afirma que todos os links de reportagens e vídeos afetados pela decisão da Justiça teriam sido retirados do ar, à exceção de um que foi mantido em rede social por equívoco.
O processo no qual Antunes é réu trata-se de uma investigação de suposto crime contra a honra. Pelos parâmetros internacionais, ofensas dessa natureza, como injúria e difamação, deveriam ser tratados na área cível, pela qual a parte atingida poderia buscar reparação. O Brasil, entretanto, ainda mantém essas investigações na esfera penal. Vale destacar ainda que jornalistas não estão acima da lei nem devem burlá-la. No entanto, é importante ressaltar que uma medida excessiva como a decretação da prisão preventiva de um jornalista, para além da retirada de conteúdo sub judice, afeta não apenas o citado, mas toda a categoria jornalística, colaborando para a autocensura e para o prejuízo da sociedade em seu direito de ser informada.
Outro ponto em destaque é que servidores da Justiça, assim como os demais agentes e atores públicos, estão mais sujeitos ao escrutínio e à crítica e, por conseguinte, à análise de seu desempenho na função e nas relações com os demais setores da sociedade. O uso do sistema criminal por um promotor de Justiça do mesmo estado implica em um desequilíbrio de forças que contribui para a intimidação e censura do jornalista.
A Abraji espera que a Justiça acolha os pedidos do jornalista para que essa severa decisão seja reformada e que ele possa retornar ao país sem risco de ter sua liberdade cerceada.