• De volta ao foco com campanha eleitoral, modelo de reforma agrária está em xeque

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  • 24/09/2022 07:01
    Por José Maria Tomazela / Estadão

    Em outubro de 2009, quando integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) invadiram uma fazenda da empresa de sucos Cutrale, entre Iaras e Borebi (SP), e usaram tratores da própria fazenda para destruir 7 mil pés de laranja, a assentada Conceição do Marinho, de 74 anos, estava entre os invasores. “Fiquei sentadinha em um canto com a minha Bíblia orando ao Senhor e vendo o pessoal quebrar tudo.” Hoje, a agricultora agradece a Deus pelo MST não ter conseguido tomar a fazenda da Cutrale. Seu marido é empregado da empresa há sete anos, e o salário de R$ 1,5 mil por mês sustenta o casal.

    Assentados há 15 anos no Assentamento Zumbi dos Palmares, vizinho à Cutrale, Conceição e Eurimar Francisco da Silva, de 60 anos, moram em um barraco de madeira coberto com lona preta e não conseguem se sustentar com a renda do lote de 15 hectares – cada hectare equivale a um campo de futebol. O casal obtém renda extra coletando a resina dos pinus que restaram quando as terras de um horto florestal foram divididas.

    Nesta campanha presidencial, o tema dos assentamentos e das invasões de terras voltou às discussões. No dia 7, em discurso pelo Bicentenário da Independência, no Rio, o presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição, disse que seu governo botou um fim nas invasões do MST: “Você não ouve mais falar de invasão do MST pelo Brasil. Demos dignidade aos assentados titulando terras para a eles”.

    O tema está no programa de governo de sete dos 12 candidatos. Quatro defendem a redistribuição de terras para quem ainda não tem, entre eles o ex-presidente Lula. Três, como Bolsonaro, defendem a regularização fundiária, a titulação dos assentados como proprietários das terras. Os outros são Simone Tebet (MDB) e Ciro Gomes (PDT).

    Em seu mandato, Bolsonaro suspendeu a desapropriação de terras para novos assentamentos e investiu na entrega de títulos aos assentados: até agora, quase 360 mil. Em sabatina no Jornal Nacional, da TV Globo, ele já havia dito que pacificou o MST, “titulando as terras pelo Brasil”.

    Questionado pelo mesmo programa sobre a proximidade do seu partido com o MST, Lula disse que o movimento só invadiu terras improdutivas e está “cuidando de produzir”. Segundo ele, o MST de 30 anos atrás não existe mais e o atual convive pacificamente com o agronegócio. “Para mim, o pequeno produtor rural, o médio produtor rural, tem de viver pacificamente com o grande negócio que o Brasil tem. O Brasil tem a possibilidade de ter os dois. Um produz mais internamente, o outro produz externamente.”

    Conforme apurou o Estadão Verifica, embora o número de ocupações de terra tenha diminuído no governo de Bolsonaro, elas não deixaram de ocorrer. Segundo relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 2021 houve 50; em 2020, 29; e em 2019, ano em que o presidente assumiu o mandato, 46. Em 2018, foram 157, e há uma década, em 2012, eram 255. Os números são referentes à soma de ocupações realizadas por diferentes movimentos sociais. O MST, citado pelo presidente, diz ter paralisado as ações por dois anos devido à pandemia, mas que as retomou em 2022 e ocupou, no primeiro semestre, 28 áreas que considera improdutivas.

    QUESTIONAMENTO

    Para especialistas, o modelo de reforma agrária baseado na instalação de assentamentos para apaziguar os conflitos rurais não se sustenta. Segundo eles, sem uma seleção que leve em conta a aptidão do assentado para a prática agrícola, além de investimentos e de uma estrutura de apoio, os projetos estão fadados ao fracasso.

    Conceição e Eurimar são, de certa forma, exemplo disso. Têm uma trajetória de lutas pelo MST. Ele participou das ocupações do Horto Florestal de Iaras, reserva estadual de pinus, em 2005, e foi assentado nessa área três anos depois. Conceição obteve um lote em outra área do mesmo assentamento depois de participar de várias ocupações quando ainda não estava casada com Eurimar.

    “Não consegui tocar o lote e passei para minha filha e meu genro, mas eles ficaram dois anos e passaram para um pessoal de Campinas”, contou a mulher.

    Ela ainda sonha com a casa de alvenaria e com água na torneira. Segundo Eurimar, o dinheiro liberado pelo governo federal para a construção da casa ficou em contas das inúmeras associações criadas para organizar os mutirões. As paredes de alvenaria nunca foram erguidas.

    Conforme a prefeitura de Iaras, menos de um terço das 434 famílias assentadas no Zumbi dos Palmares permanece em seus lotes. Um número ainda menor consegue tirar renda para sobreviver sem depender de outras fontes. Só a Cutrale emprega de 200 a 300 assentados ou dependentes. Outros assentados se tornaram servidores públicos da prefeitura ou do Estado.

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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