De caso pensado, perdeste o senso, STF?
Diversas pesquisas publicadas em órgãos da grande mídia escrita, não na televisionada, sobre a confiança da população nas instituições do país revelam algo muito preocupante: um grau de confiabilidade muito baixo. Uma delas, do Datafolha, de setembro de 2021, dentre outras mais recentes, as respostas dos pesquisados vão do “Não confia”, passando pelo “Confia um pouco” (vale dizer, desconfia muito) e, por fim, o “Confia muito”.
Nesta pesquisa do Datafolha, a confiança nos poderes e nas instituições piorava. Abrangia as seguintes instituições: STF – Supremo Tribunal Federal, Presidência da República, Congresso, Partidos Políticos, Judiciário, Ministério Público, Forças Armadas, Imprensa, Grandes Empresas Brasileiras e Redes Sociais. Medidas pelo item “Confia muito”, o percentual, para quase todas, oscilava entre 15 e 18%. Ou seja, cerca de um (ou menos) em cinco dos pesquisados se diz satisfeito com o desempenho delas. O outro lado da moeda nos informa que a desconfiança bate na casa dos 80%, se somarmos o “Não confia” com o “Desconfia muito”, modo correto de expressar o “Confia pouco”.
A pergunta que a pesquisa não fez é se é possível construir uma grande Nação com esse brutal grau de desconfiança. Tem jeito – e é – impossível. E essa desconfiança nos poderes constituídos não nasceu ontem, vem de longa data. Em matéria de políticos e de política, essa avaliação é de décadas atrás. (As razões foram explicadas no meu último artigo, “O Apagão (Proposital) da Responsabilidade Individual”, aqui no Diário).
Todos acompanhamos os descarrilamentos do STF em várias ocasiões em que o absurdo presidiu a dita ilustre Corte. A última delas certamente irá para o Livro Negro do STF em primeiríssimo lugar. E não sou apenas eu que estou indo nessa direção. Situo-me na ilustre companhia do atual ministro Luiz Fux, que, no dia 10/02/23, discordou do entendimento da Corte sobre os limites da coisa julgada. Foi enfático: “Tivemos uma decisão que destruiu a coisa julgada. (…) e que criou a maior surpresa fiscal para os contribuintes”. Em português claro, o absurdo dos absurdos. O sacramentado não vale mais.
Ainda me lembro bem, sem os detalhes, de uma decisão do STF votada num dia e desvotada no outro, tal o imbróglio que iria causar nas aposentadorias. O dito popular é que “Juiz pensa que é Deus, e desembargador tem certeza”. Mas há momentos em que um mínimo de humildade se torna uma exigência. Será que o STF tem uma assessoria econômica, já que cada ministro tem muitos assessores? Qualquer economista com boa formação poderia detalhar as implicações econômico-financeiras do desmonte da decisão transitada em julgado sobre a cobrança do CSLL – Contribuição Social sobre o Lucro Líquido. No caso da Petrobrás, bate em bilhões e a empresa não sabe muito bem o que fazer tal o volume envolvido no “ressarcimento” aos cofres públicos.
Em meio às amplas reações negativas, o ministro Gilmar Mendes publicou no jornal O Globo, de 25.2.2023, o artigo “Quem contratou a insegurança jurídica?” Ele diz o seguinte: “É seguro dizer que nunca houve controvérsia acerca do dever fundamental das empresas pagarem o CSLL”. Se assim o foi, por que então o STF chegou a ponto de dar uma decisão pacífica, transitada em julgado, sobre a ilegalidade da cobrança do CSLL? Se fosse como diz o ministro, a decisão deveria ter sido favorável à cobrança da CSLL desde o início! A “lógica” do ministro opera em dimensão inalcançável para os mortais.
É uma triste tentativa de cobrir o sol com a peneira o absurdo que foi perpetrado, obrigando as empresas (se a insanidade não for revogada) a desviar vultosos recursos, que poderiam ir para investimentos, para o pagamento da CSLL em atraso. Trata-se de uma triste contribuição do STF contra o esforço do país em caminhar na direção de investir mais para atingir níveis superiores de crescimento do PIB ao invés de continuar colecionando décadas perdidas como vem ocorrendo desde 1980. E agora, com mais uma, a atual. Lamentável!
Os EUA têm uma tradição de uma Suprema Corte com a cabeça no lugar. É fato que houve decisões vergonhosas, como a do pedido de liberdade do escravo Dred Scott, em que o presidente da Corte, Roger B. Taney, sentenciou que “ele não tinha direito algum que o homem branco fosse obrigado a respeitar”. Aliás, motivo de vergonha nacional para os americanos até hoje.
Mas houve algumas que ficaram célebres, como a questão da integração racial nas escolas. A primeira votação interna foi de 5 a 4, repetida até chegar a 9 a 0 pela integração. Seus membros viram nisso um teste para saber se a democracia americana era só para brancos. Aliás, tais votações internas são um bom exemplo que os ministros do STF deveriam adotar para não invalidar a sentença transitada em julgado sobre a ilegalidade do CSLL. E nos livrar de sobressaltos sem pé nem cabeça.
É significativo também que o governo americano tenha analisado – e recusado! – o pedido do STF de extradição de Allan dos Santos, conhecido bolsonarista, alegando que nenhuma conduta dele pode ser considerada criminosa nos EUA, uma das salvaguardas do acordo de extradição entre os dois países. Logo, as declarações dele sobre democracia e outros temas não são passíveis de punição como quer Alexandre de Moraes. Na verdade, a balança dos EUA está devidamente aferida em relação à do Patropi sobre o que seja democracia de fato, em especial as garantias de liberdade de expressão.
E foi aí que me veio à cabeça o que será o julgamento da História, daqui a uma ou duas gerações, sobre o atual STF. Ele corre o sério risco de ser considerado um dos piores, senão o pior, de nossa história, aquela que a república conseguiu grafar com “r” minúsculo. Lembra o que foi dito pelo grande historiador Edward Gibbon, autor de “Declínio e Queda do Império Romano”, sobre certos capítulos da História, que ele define como “pouco mais do que o registro dos crimes, loucuras e desventuras da humanidade”.
Onde ficou um mínimo de bom senso?
Nota: “Dois Minutos com Gastão Reis: Confiança a ser reconquistada”: