• “Cuidar também adoece”: médica alerta para o burnout do cuidador e defende rede de apoio efetiva

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  • 19/jul 09:03
    Por Redação/Tribuna de Petrópolis I Foto: Divulgação

    A dedicação constante a um familiar doente, idoso ou com necessidades especiais pode adoecer. É o que alerta a médica Inoã Viana, especialista em Medicina de Família e Comunidade, com pós-graduação em Geriatria e atuação voltada aos cuidados com a população idosa. Segundo ela, o chamado burnout do cuidador é uma condição clínica que merece atenção urgente por parte da sociedade, dos familiares e das equipes de saúde.

    “O burnout do cuidador é um tipo de estresse crônico que afeta pessoas que se dedicam a cuidar de outras. Ele se manifesta de forma semelhante ao burnout ocupacional, com sintomas como exaustão física e mental, irritabilidade, isolamento social, distúrbios do sono e do apetite. No entanto, envolve um componente emocional mais delicado: a culpa. Muitas vezes, o cansaço é confundido com negligência, o que dificulta ainda mais o pedido de ajuda”, explica a médica.

    Segundo Inoã, diferentemente do cuidado infantil, que tende a se tornar menos intenso à medida que a criança desenvolve autonomia, o cuidado com idosos ou pessoas com doenças crônicas geralmente caminha no sentido oposto: aumento progressivo da dependência, sem previsão de alívio. “Isso gera um horizonte de perdas, o que torna a experiência mais emocionalmente desgastante”, afirma.

    Para a especialista, o perfil mais suscetível ao burnout é, historicamente, o feminino. “O cuidado ainda é socialmente associado à mulher, mesmo sem vínculo consanguíneo. Além disso, há a chamada ‘geração sanduíche’ — pessoas de meia-idade, geralmente mulheres, que cuidam ao mesmo tempo dos pais idosos e dos filhos. Isso amplia a sobrecarga”.

    Diante desse cenário, a médica defende que o cuidado com quem cuida seja incorporado como uma prioridade nas políticas públicas e nas práticas clínicas. “O primeiro passo é escuta acolhedora, livre de julgamentos. A construção de um plano terapêutico deve envolver tanto o paciente quanto o cuidador, acionando redes de apoio familiares e institucionais. Às vezes, inclusive, é necessário recorrer a uma mediação jurídica para repartir responsabilidades”.

    A profissional também destaca o papel dos grupos de apoio, onde experiências e angústias podem ser compartilhadas com segurança. “A tarefa de cuidar é, muitas vezes, solitária. O grupo valida sentimentos, promove identificação e fortalece o cuidador”, pontua.

    Mas o que significa, na prática, o tão falado “autocuidado”? Inoã recorre a uma metáfora simples e eficaz: “Nas orientações de voo, em caso de emergência, primeiro você coloca sua própria máscara de oxigênio. Só assim poderá ajudar os outros. Com o cuidado é a mesma coisa, só é possível oferecer cuidado adequado quando se está bem”.

    No campo das políticas públicas, ela celebra os avanços recentes com a sanção da Política Nacional de Cuidados (Lei nº 15.069/2024), que propõe uma divisão mais justa do trabalho de cuidado, reconhece o direito universal ao cuidado digno e promove o trabalho decente para cuidadores formais. “É uma iniciativa importante, mas ainda em fase inicial. Precisamos garantir a implementação real dessa política nas redes de saúde e assistência”.

    A médica finaliza com um chamado coletivo à corresponsabilidade. “Para cuidar de um idoso com dignidade, também é necessária uma vila. Assim como diz o provérbio africano sobre a criação de uma criança. Cuidar não pode ser tarefa de um só”.

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