• Crônica do Ataualpa: Pessoas coletivas

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  • 12/12/2021 08:00
    Por Ataualpa Filho

    No final do mês passado, recebi a triste notícia do falecimento do escritor e crítico literário Francisco de Assis Almeida Brasil. Fato que comoveu o Estado do Piauí e quem vive no mundo literário brasileiro. Assis Brasil publicou mais de 100 livros. Trabalhou em diversos jornais. Na década de sessenta, foi colunista literário do Jornal do Brasil (JB).

    No momento em que lia as notícias sobre o falecimento dele, um fato chamou a minha atenção: alguns jornais noticiavam que ele havia falecido com 93 anos; outros, com 92. Mas colocavam como ano de nascimento 1932, o que consta em ficha catalográfica de livros que ele publicou e também é o ano que está exposto no perfil dele no site da Academia Piauiense de Letras. Na página Wikipédia, enciclopédia livre virtual, encontra-se, como ano de nascimento de Assis Brasil, 1929. Se faleceu com 92 anos, não nascera em 18 de fevereiro em 1932, como muito foi noticiado. Fiquei, portanto, com a ideia de que ele realmente teria 92 anos, nascera assim, em 1929, em Parnaíba. Mas só veio a ser registrado em 1932, fato comum na época: registrar crianças anos depois de nascido.

    Após essa especulação boba, puxei a minha própria orelha: o que interessa saber em que ano ele nasceu, com quantos anos faleceu, se ele já está imortalizado na Literatura Brasileia pelo trabalho que prestou às letras do nosso País?!  A cronologia é apenas um detalhe, a essência do trabalho dele é que o perpetuará na história da nossa Literatura.

    Usei livros de Assis Brasil no meu trabalho em sala de aula. Agradeço à fonte, pela água que bebo. O chamado autodidatismo é uma falácia, pois aprendemos seja de forma sistemática, seja de forma assistemática. O saber, o conhecimento não são transmitidos somente pelos compêndios didáticos. As lições de vida também contribuem para o crescimento interior, por isso a gratidão tem que ser eterna a todos que, direta ou indiretamente, deixaram gotas de suor para construir o que é desfrutado pela coletividade.

    A singularidade de algumas pessoas está na forma como elas se colocam a serviço do bem comum. Há indivíduos com essência coletiva. Agem pensando em todos não somente em si.  É preciso ter cuidado com a cultura da massificação, dos rótulos, das generalizações que suplantam tanto a individualidade quanto a singularidade.

    Assis Brasil, em sua timidez, em seu silêncio, falou muito. A produção literária dele é vasta. Disseminou a arte literária com a eficiência de quem não se preocupa somente consigo. A eternidade de Assis Brasil já está escrita em prosa e verso, independente do ano em que veio ao mundo. Não fiz parte do ciclo de amizade dele. Não tivemos nenhuma interação em debates literários.  Mas senti uma tristeza profunda. Assim como senti o falecimento do amigo Fernando Py, poeta, cronista, crítico literário. Há uma sensação semelhante a de um soldado que está em uma trincheira e ver seu companheiro do lado tombar ferido mortalmente.

    Os que servem à Arte, sem vaidade, são poucos. Quem busca excessivamente a excentricidade para mostrar-se apenas irreverente corre o risco de cair no vazio. A efemeridade da fama é maior quando não há essência alguma que possa justificar o sucesso momentâneo.  Há pessoa que não buscam a fama, mas tornam-se conhecidas, até internacionalmente, pela singularidade do trabalho dedicado aos outros, pela humildade, pelo servir sem fronteiras.

    Tenho um amigo que está explodindo de alegria ao ver o filho formado em uma conceituadíssima Universidade pública. Ele quer agradecer até aos pedreiros que há anos fizeram o prédio da sala de aula em que o filho estudou. Já discutimos muito sobre o uso do pronome possessivo em primeira pessoa do singular. Ele opta sempre pela primeira pessoa do plural. A gratidão dele vem por essa consciência de que ninguém é feliz sozinho, ninguém cresce sozinho. Por isso afirmo que as pessoas com essência coletiva são braços na construção da paz mundial.

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