• Crônica do Ataualpa: O Deus lhe pague

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  • 26/12/2021 08:00
    Por Ataualpa Filho

    No natal, sempre temos a oportunidade de exercitar a gratidão. Sei que, no momento, essa palavra está bem ventilada. Parece que estão reconhecendo a importância dela. Ganhar um presente, em período natalino, é comum. Retribuí-lo pode até ser uma atitude mecânica, mas agradecê-lo “de coração” requer uma dose de humildade. Às vezes, só o brilho dos olhos, o abraço apertado que a sinceridade transmite deixam transparecer o agradecimento.

    Gosto desse clima natalino, pois é possível ver melhor o coração das pessoas tanto nos gestos de doação quanto na gratidão. Quando se trata de um ato fraterno, toda ação tem que ser de graça. A espontaneidade das atitudes sinceras não tem segundas intenções.

    São tantas as falsas emoções imersas em interesses que o ato de dar presente pode tornar-se uma mera formalidade. O pró-forma segue o fluxo das máquinas consumistas. Por isso que as “lembrancinhas” artesanais chamam mais atenção, transmitem mais afetividades.

    A ferida provocada pela ingratidão leva mais tempo para cicatrizar. Por isso, é bom seguir o dito popular: “fazer o bem sem olhar a quem”. A caridade é despretensiosa. É preciso praticá-la sem se preocupar com decepções. Aprendi isso com o Padre Quinha. O que se faz pensando em recompensa não é caridade. E aqui vale citar a gratidão do samaritano:

    “Indo para Jerusalém, Jesus atravessava a Samaria e a Galileia. Quando ia entrar no povoado, vieram-lhe ao encontro dez leprosos. Pararam ao longe e gritaram: ‘Jesus, Mestre, tem piedade de nós’. Ao vê-los, Jesus lhes disse: ‘Ide apresentar-vos aos sacerdotes.” E aconteceu que, no caminho, ficaram limpos. Um deles, vendo-se curado, voltou glorificando a Deus em voz alta. Caiu aos pés de Jesus e, com o rosto em terra, agradeceu-lhe. E este era um samaritano. Tomando a palavra, Jesus disse; ‘não eram dez os que ficaram limpos? Onde estão ou outros nove? Não houve quem voltasse para dar glória a Deus senão este estrangeiro?’”

    A verdade é que ninguém tem a dimensão da misericórdia divina. O “Deus lhe pague” tornou-se expressão corriqueira, às vezes, salta pelo automático. Acho que não devemos colocar na conta dEle a nossa parte. Temos que agradecer a quem nos faz o bem. O “muito obrigado” é o mínimo. Retribuir o bem é gerar gentileza.

    Inegavelmente, “há mais felicidade em dar do que em receber”. A caridade é portadora de uma adrenalina que produz um bem-estar interior muito grande. Por essa razão, é possível servir sem pensar em retribuição.

    Vejo com muita tristeza a propagação da política do “bateu levou”, da ostentação de armas e músculos com a intenção de persuadir pela força, na exaltação da violência para solucionar problemas que dependem mais de medidas socioeducativas do que da imposição do medo. Pode até parecer utopia, mas ainda prefiro seguir o Mestre que disse:

    “Ouvistes que foi dito: olho por olho, e dente por dente. Eu, porém, vos digo que não resistais ao mal; mas se qualquer te bater na face direita, oferece-lhe também a outra.”

    Se for levado ao pé da letra, a lei de Talião “olho por olho dente por dente”, vamos acabar cegos e desdentados. Sei que, até pelo instinto de defesa, sempre que somos agredidos, tendemos ao revide. Porém não se constata o mesmo impulso diante das ações fraternas. Há muitos que, pela índole da esperteza, só querem receber sem dar nada em troca.

    O Menino que nasceu na manjedoura, razão do natal, cresceu e viveu na expressão máxima do amor. Este quando vivido distante das paixões não espera recompensa: ama mesmo sem ser amado.

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