Crônica do Ataualpa: Em Páscoa
Às vezes, o acaso nos surpreende positivamente, quando o inesperado vem a nosso favor. Não ofereço resistência, quando a intuição aponta para algo favorável ao aprendizado. O viver ainda é imprevisível. Por mais cautelosos que sejamos, sempre seremos surpreendidos. Não somos senhores do tempo, nem dominamos o porvir.
Meio confuso, diante de alguns problemas, resolvi parar, por alguns minutos, para pensar no que poderia fazer durante a semana santa, período que considero de maior importância no calendário cristão. Para mim, não se trata de um “feriadão”. Mas de um período para refletir sobre as nossas ações em relação ao próximo, uma vez que a face de Cristo pode ser vista nos mais necessitados. Ele já afirmara: “…todas as vezes que fizestes isso a um desses meus irmãos menores, a mim o fizestes” (Mt.25,40). Há um calvário em que os filhos de Deus são hostilizados. E os Cireneus são criticados, porque tentam aliviar o sofrimento dos que padecem pelas desigualdades sociais.
No momento em que parei, o telefone tocou. Era um amigo do tempo de grupo jovem que me fez a seguinte proposta:
– Vamos a São Paulo, participar da Via Sacra dos irmãos em situação de rua?
Antes de responder, sorri por três motivos: primeiro, porque ele sempre me faz propostas desafiadoras; segundo, porque sempre me liga nos meus momentos aflitivos, terceiro pela coincidência. Dei um sim parcial, pois teria que consultar a minha esposa, uma vez que teríamos que viajar juntos.
Depois de tudo acertado, partimos antes do início da manhã de quinta-feira, com o propósito de chegar à Basílica de Nossa Senhora Aparecida às 9:00, para participar da celebração da Missa dos Santos Óleos. As reflexões que fizemos durante a viagem convergiam para uma vivência de espiritualidade direcionada ao servir.
Na sexta-feira santa, fomos ao Largo São Bento, de onde, às 9:00 horas, partiu a Via Sacra em direção à Catedral da Sé. Durante esse percurso, ouvi vários depoimentos de pessoas que traziam no rosto as marcas do açoite de uma sociedade que ainda precisa aprender a conjugar o verbo amar. Não é com violência, nem com indiferença que se resgata a dignidade de uma população que vive em condições subumanas.
Partimos com o intuito de ser útil em algo que pudéssemos ajudar. Mas nós é que fomos ajudados. Há uma conversão no exercício da humildade. Quando falávamos para os irmãos que éramos de Petrópolis, recebíamos um acolhimento fraterno de pessoas que estavam nas ruas de coração aberto para confortar solidariamente quem viveu momentos de angústia. Vi o nosso sofrimento em comunhão com pessoas consideradas invisíveis para os órgãos estatais. Isso nos impressionou muito. Nunca poderíamos imaginar que receberíamos esse carinho.
No sábado de aleluia, no ginásio do Sindicato dos Bancários, tivemos a oportunidade de participar da distribuição de 1.200 quentinhas no horário do almoço. A receptividade não foi diferente. Quando o padre que coordena o trabalho missionário anunciou que ali havia um grupo de Petrópolis, fomos calorosamente recebidos. Nessa ação comunitária, há voluntários de diversos países.
Em São Paulo, tem-se a estatística de que, aproximadamente, vivem 30 mil pessoas em situação de rua. O triste é saber que várias crianças já nascem nessas condições, sem oportunidades para almejar a um futuro diferente dos pais. Há uma dura realidade que tapete nenhum encobre: a fome.
– Como querer usar os critérios da meritocracia diante de pessoas que não têm nem teto para morar?
Na noite de sábado, participamos da missa na paroquia de São Miguel Arcanjo, na Mooca. E, no domingo, fomos à missa na Capela de São Judas Tadeu. Na segunda-feira, tomamos outro choque de realidade: participamos, no Núcleo de Convivência São Martinho de Lima, da distribuição dos pães no café da manhã para mais de 600 pessoas. Além do pão com café, também foram distribuídas bananas, ovos de páscoa e, para as mulheres foram entregues absorventes.
Precisamos olhar com mais carinho para essa igreja em que os fiéis não podem pagar dízimos. Precisamos visitar esse templo que há debaixo dos viadutos, nos bancos das praças, debaixo das marquises, nas malocas das edificações abandonadas.
A verdade é que, em todas as semanas, Cristo está em nosso meio: “…tive fome e me deste de comer, tive sede e me destes de beber, fui peregrino e me acolhestes, estive nu e me vestistes, enfermo e me visitastes, estava na cadeia e viestes ver-me.” (Mt 25, 35-36).
Esse Cristo não está na lógica mercantil de quem vê a religião como produto de mercado. O discurso cristão só ganha consistência na prática da caridade.