Crônica do Ataualpa: De passagem
Somos feitos de uma matéria que perece no tempo, independente das diferenças que nos individualizam. Páscoa é esta travessia em busca da libertação do que nos prende ao efêmero, que nos escraviza pelo obsessivo desejo de manter o poder. Os grilhões do pecado estão dentro de nós. Ninguém tem o direito de ser o inferno do outro. Portanto é preciso respeitar o próximo na dimensão humana que a liberdade requer para o pleno exercício da cidadania. É válido ressaltar que o corpo social tem vários membros merecedores de reconhecimentos.
Páscoa é esta passagem em que se exercita o amor em função do bem coletivo. Ninguém vem a este mundo inutilmente. Mas é triste ver pessoas optando pela nocividade, pelo desserviço à humanidade. Mutilamo-nos a cada guerra, seja no meio urbano, ou nos campos de batalha. A descivilidade fica evidente nas manifestações do ódio que está na raiz de atos atrozes. Razões fúteis têm levado a crimes bárbaros e por motivo torpe.
Atualmente nos deparamos com uma insensibilidade que se manifesta no desrespeito à vida. Por isso, quando testemunhamos gestos de carinho, de dedicação, de entrega ao bem comum, resgatamos a gratidão, porque nos leva a acreditar que o homem ainda tem dentro de si uma fé, uma esperança que se transforma em força na perspectiva de um mundo melhor.
Para exemplificar o fato de que ainda há pessoas despojadas, capazes de sacrificar a própria vida para servir ao próximo, transcrevo aqui uma carta que brotou de um gesto de gratidão. Pedi autorização aos autores para publicá-la, porque considero necessária a divulgação de atos de heróis do cotidiano, altruístas, pessoas que não medem esforços na prática do bem. Eis o texto:
“Existem muitos motivos para sermos gratos ao longo de nossa existência. Seja pela nossa vida, pela nossa saúde e de nossa família, pelos amigos que conquistamos, e acima de tudo, gratos a Deus e às pessoas por ele enviadas para nos socorrer nos piores momentos de nossa vida.
Estas pessoas são, sem qualquer dúvida, um sopro Divino direcionado em nosso socorro. Este sopro Divino, no último dia 15 de fevereiro de 2022, durante a calamidade que se abateu sobre a minha Cidade de Petrópolis, atende pelo nome de Clausio Marcelo BARROS Ribeiro, 1º Sargento do 15º GBM, que em seu dia de folga, abdicou de sua segurança pessoal em prol da nossa segurança.
Nós, presos em nosso local de trabalho, uma banca de jornais em meio a forte correnteza, quando sentíamos que nos faltavam as forças para continuarmos lutando pela vida, ouvimos a voz calma e serena, apesar de todo o perigo daquele momento, e a mão segura e amiga daquele sopro Divino chamado BARROS, enviado por Deus em nosso socorro.
A você BARROS, que hoje, tenha certeza, faz parte da nossa vida e de nossas famílias, receba este humilde, mas sincero agradecimento. Você é digno de eterna gratidão, não só nossa, mas principalmente de nossas esposas e filhos que graças a você, podem compartilhar da nossa companhia.
Sua ajuda nos deu o amparo que necessitávamos e nos mostrou que não estávamos sozinhos, e isso nos deu a certeza de que o mundo precisa de mais seres humanos como o 1º Sgt Barros para se tornar melhor.
Nosso coração é pura gratidão pela sua ajuda. Graças a você, conseguimos retornar ao convívio familiar e abraçar nossas esposas e filhos.
Oferecemos nossa gratidão, mesmo sabendo que é pouco perto de tudo o que você já fez por nós!
Deus irá lhe recompensar, tenha certeza!
José Carlos do Amaral, Ademir de Araújo Lima, Evandro José de Assis”
Quero aqui também externar publicamente o meu agradecimento ao Sargento Barros, porque o Amaral, o Ademir e o Evandro são amigos da luta diária.
Os heróis que a realidade nos mostra são os que superam as adversidades da vida e não medem esforços para ajudar o próximo, pois sabem que, no servir, há a nobreza do viver com a humildade que nos reconcilia com o Criador.
Hoje precisamos de uma ajuda coletiva não somente para recuperar a nossa bela cidade, mas também para unir forças e continuar a viver com as perdas que tivemos. Não podemos esquecer os mortos nem os desaparecidos nas tragédias que ocorreram em Petrópolis.