Crônica do Ataualpa: Aos plantadores de tâmaras
O pão que está na sua mesa talvez tenha sido feito por alguém que você não conheça. O trigo usado para confeccioná-lo talvez tenha sido plantado por um lavrador que não está entre os seus conhecidos. Certamente o pão que está na sua mesa foi adquirido com o suor do seu trabalho que talvez tenha beneficiado alguém que não está no seu ciclo de amizade.
Hoje, necessariamente, temos que pensar um pouquinho além dessa cadeia de produção e consumo. O trabalho, indiscutivelmente, precisa ser remunerado dignamente. Mas, em se tratando de questões humanitárias, o salário não é tudo. Nenhum trabalhador deve ser hostilizado.
Não consigo entender como alguém que, só por pagar por um serviço, sente-se no direito de hostilizar quem o serve. O ato de exigir o cumprimento de um serviço perfeito não passa pela agressão de quem o executa.
Neste período pandêmico, cresceu muito a prestação de serviço em domicílio. E têm sido constantes as denúncias de ofensas morais, discriminações, racismos. Criaturas que se julgam superiores, irracionalmente, extravasam a ira que carregam no peito em quem está sob as suas ordens. Por isso, faz-se necessário ressaltar que o assédio moral deve ser denunciado em todas as instâncias. Os danos psicológicos provenientes das hostilidades no ambiente de trabalho provocam traumas irreversíveis. Não se trata apenas de um direito do trabalhador ser tratado dignamente, vai mais além: a natureza humana precisa ser respeitada.
É claro que as lutas sindicais em prol de melhores condições de trabalho são louváveis, porém é preciso entender que nenhum ser humano merece viver em situação análoga à escravidão. Portanto, o fato de remunerar o trabalho não dá direito a nenhum empregador ou chefe a hostilizar quem se encontra hierarquicamente em uma posição inferior. Na relação “patrão-empregado”, além do vínculo empregatício regido por uma legislação trabalhista, há também o relacionamento humano que requer respeito para que não haja constrangimentos.
Em pleno século XXI, ainda nos deparamos com a prática da exploração da mão de obra, ainda encontramos pessoas que estão atadas a um complexo de superioridade que, em razão de suas frustrações, tendem a menosprezar quem se encontra em seu convívio. Pela arrogância, que já é uma manifestação agressiva, tentam velar uma insegurança, uma insatisfação interior que a distancia das relações harmoniosas. Criam conflitos por motivos fúteis.
A estupidez carrega consigo a ingratidão. Julgar-se necessário consiste em um ato que evidencia a falta de humildade.
Lamentavelmente cresce o número de pessoas que sentem “prazer” em criar intrigas. Gostam de ver o “circo pegando fogo”, adoram “rir das desgraças dos outros” (schadenfreude). São agentes das discórdias, não têm o hábito da conciliação, da concórdia. A desavença é infrutífera, contraproducente.
Nas redes sociais, são frequentes os vídeos constrangedores que evidenciam a prática de cyberbullying. Ridicularizar, criar constrangimento são práticas nocivas. Os catagelasticistas ironizam, zombam dos erros, das falhas dos outros. Quando descobrem que uma pessoa é portadora de gelotofobia, medo de passar vergonha, procuram ridicularizá-la em público para que seja motivo de riso, criando assim situações vexatórias. Os tímidos são os principais alvos catagelasticistas.
Uma das consequências da crise que atravessamos consiste na desvalorização da vida. A morte está sendo banalizada. Os homicídios ocorrem por motivos cada vez mais fúteis. O amor ao próximo vem se tornando algo raro. Mas ainda não desistir de acreditar na vitória do Bem. Por isso hoje venho louvar os plantadores de tamareiras. Quando nos deliciamos com uma tâmara, nunca nos deparamos com quem a plantou.
Quem planta tâmara não pode ser afetado pelo imediatismo. Sabemos que a ternura disseminada hoje só dará frutos em um futuro distante. A gentileza vai gerar gentileza, mesmo que seja a longo prazo. Sei que o sândalo perfuma o machado que o feri. Também sei que o Filho do Criador nos disse para oferecer a outra face a quem nos agride e dar também o manto a quem deseja levar a nossa túnica, porém vivemos em uma sociedade em que há um sistema de regras para a manutenção da justiça. Portanto temos que caminhar de mãos dadas em defesa da vida e do bem comum. Não há como tolerar a injustiça e ficar de braços cruzados diante do açoite dos menos favorecidos.