• Crônica do Ataualpa: A loucura nas ruas

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  • 21/11/2021 08:00
    Por Ataualpa Filho

    Em carta aos médicos-chefes dos manicômios, o dramaturgo AntoninArtaud escreveu: “Os loucos são as vítimas individuais por excelência da ditadura social”.  E, em um hospício, Lima Barreto falou: “de mim para mim, tenho certeza que não sou louco; mas devido ao álcool, misturado com toda espécie de apreensões que as dificuldades de minha vida material há seis anos me assoberbam de quando em quando dou sinais de loucura: deliro.”

    Foi a partir do dia que assisti à peça encenada no Teatro Ipanema por Rubens Correa, que procurei conhecer a obra de Artaud. E foi correndo por esse fio, que cheguei ao livro “Van Gogh, o Suicidado da Sociedade”, escrito pelo citado dramaturgo que, muitas vezes, foi internado em manicômios franceses. E, na mencionada obra, o autor disse: “Com razão mais forte no plano social, as instituições desagregam-se e a Medicina faz a figura de cadáver imprestável e rançoso que declara Van Gogh doido.”

    Há uma vasta lista de artistas, filósofos, escritores que mergulharam no mundo da loucura. E muitos destes nem sequer desfrutaram das fortunas geradas em torno de seus trabalhos artísticos. Viveram uma angústia que, nem sempre, está refletida em suas obras. Inquestionavelmente esse fato soa com um ar de injustiça. Hoje uma tela de Van Gogh vale fortunas. Mas é preciso ressaltar que ele viveu sem recursos financeiros. Contudo, restou-lhe uma notoriedade, um reconhecimento póstumo.

    Muitos artistas vivem no ostracismo e não têm a oportunidade de expor o talento que possuem. No livro “História da Loucura”, Michel Foucault afirmou: “o louco não é manifesto em seu ser: mas se ele é indubitável, é porque é outro.”

    Ao longo da história, podemos identificar as inúmeras situações em que pessoas tidas “com problemas mentais” recebem tratamento desumano. São abandonadas em clínicas neuropsiquiátricas sem o amparo da família. A tristeza maior está no fato em que taispessoas, em determinado estado de demência, não têm como reivindicar seus direitos em função do tratamento digno que merecem. Indefesas, ficam abandonadas em sanatórios que se transformam em depósitos de seres humanos, sem nenhuma condição de higiene. É nosso dever protegê-las.

    Nesta pandemia, cresceu o número de pessoas nas ruas com visíveis sintomas de perturbações mentais. Aumentou o consumo de remédio antidepressivo. Os reflexos deste período pandêmico podem ser encontrados até nos casos de suicídio. O trabalho da assistência social é imprescindível. Os “invisíveis”, os desempregados não sofrem somente em razão da crise econômica, são atingidos também por um profundo sentimento de fracasso, de desesperança. Não veem saída diante da situação em que se encontram. Por isso cresce a fila dos que buscam os auxílios emergenciais manipulados politicamente.

     Aumentou também o número de trecheiros, pessoas que andam pelas estradas, movidas pelo vazio da vida. A luta pelo pão de cada dia tornou-se mais difícil. A fome agrava o que se convencionou chamar de “doença mental”. E, quando alguém é afetado por tais problemas, encontra dificuldade na adaptação às regras estabelecidas nos albergues.

    É preciso respeitar as pessoas pelas suas individualidades, mesmo quando são consideradas loucas. O respeito à essência humana é incondicional. Ninguém chega à loucura voluntariamente. E quem a vivencia sabe o peso do estigma e da rejeição social. O louco permanece na sua solidão, a sociedade é tão perversa que chega a explorá-la.

     No livro “Elogio da Loucura”, de Erasmo de Roterdam, encontramos as seguintes indagações:

    “Dizei-me por obséquio: um homem que odeia a si mesmo poderá, acaso, amar alguém? Um homem que discorda de si mesmo poderá, acaso, concordar com outro? Será capaz de inspirar alegria aos outros quem tem em si mesmo a aflição e o tédio? Só um louco, mais louco ainda do que a própria Loucura, admitireis que possa sustentar a afirmativa de tal opinião. Ora, se me excluirdes da sociedade, não só o homem se tornará intolerável ao homem, como também, toda vez que olhar para dentro de si, não poderá deixar de experimentar o desgosto de ser o que é, de se achar aos próprios olhos, imundo e disforme, e, por conseguinte, de odiar a si mesmo.”

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